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Sem regalias e sem privilégios. Foi com essas palavras que Nascimento, o recruta 201, definiu sua passagem pelo Exército. Não importava se ele atendia pela alcunha de Pelé e tinha dado a boa parte de seus superiores momentos de alegria com a conquista do título da Copa do Mundo de 58. Ali, era igual aos outros. Sob a voz de comando do Tenente Valente, medalhistas olímpicos, campeões mundiais, pan-americanos e sul-americanos estão passando pelo mesmo processo. Incorporados ao Exército como sargentos temporários na segunda-feira, eles têm escutado com frequência durante a instrução de ordem unida a frase "Aqui não há estrelas, homens ou mulheres, todos são iguais!".

O sentido de hierarquia e disciplina não tem sido difícil de ser respeitado pelos atletas de elite que foram selecionados já visando aos Jogos Mundiais Militares do Rio em 2011. Para eles, complicado mesmo é ter que acordar às 6h20 da manhã depois de um dia tão puxado de atividades e treino. É ter que comandar o pelotão com voz firme e alta. É querer cumprir com perfeição os movimentos os brados ensinados pelos oficiais.

Do alto de seu 1,66m, Vicente Lenílson parece ser o mais à vontade na nova função. Talvez porque o sonho de vestir uma farda venha desde a infância. Medalha de prata nas Olimpíadas de Sydney-2000 no 4x100m, o velocista de 32 anos se ofereceu como voluntário para comandar o pelotão sob o forte sol que fez no Rio nesta terça-feira. "Pelotão, sentido! Pelotão, meia volta, volver!"

Ordem que foi seguida por nomes como Tiago Camilo e Leandro Guilheiro (judô), Natália Falavigna (taekwondo) e Keila Costa (salto em distância). Chamada para fazer o mesmo que Lenílson,Thaissa Barbosa Presti, também do atletismo, optou por um tom bem mais tímido e doce. O tenente pediu voz mais alta, olhar altivo e posição elegante.

"Tem que ter atitude. Eu sempre tive isso fora do quartel. Foi emocionante quando soube que havia sido selecionado porque era um sonho de criança. Meus quatro irmãos serviram e um, que tem 25 anos de Exército, vai virar sargento. Isso aqui é um aprendizado importante. Estamos aqui há um dia e queremos fazer tudo bem feito. O general está aí", disse o sargento Vicente Lenílson.

A cada pergunta a resposta era iniciada com um "sim, senhora". Ele está se enquadrando tão rapidamente que já dá entrevista com os braços para trás, em "postura de descanso". Não é o único. Dono de dois bronzes olímpicos, Leandro Guilheiro riu ao se pegar fazendo o mesmo. Riu também ao contar que alguns de seus companheiros se apresentaram para o estágio na Escola de Educação Física do Exército, na Urca, com o visual fora do padrão.

"Quem chegou com a barba um pouco alta e o cabelo comprido teve que sair para fazer. Eu cheguei enquadrado já. Aqui a relação de respeito e disciplina não é diferente do que a minha modalidade me exigiu a vida inteira. Há sim, mais restrições do que na vida de um atleta. Até agora, o mais legal foi correr com os oficiais cantando musiquinhas. O que tem sido difícil é acordar cedo após um dia muito cansativo. Uma hora e quarenta de sono faz muita diferença" sorri Guilheiro.

Mas essa será a rotina dos 72 sargentos durante um mês. Fora a carga horária de 7h às 18h, eles também reservam tempo para treinar. Estão morando no alojamento e se preparam para o treinamento na Academia Militar das Agulhas Negras. Em Resende, terão treinamento na selva e aprenderão a atirar. Se Keila Costa e Tiago Camilo não escondem a curiosidade pelas aulas de tiro, Natália Falavigna está apreensiva.

"Acho que as maiores dificuldades ainda estão por vir. Nos dois primeiros dias eles pegam leve. De noite a gente só tem tempo de ligar um pouco o computador porque o cansaço derruba. A comida é boa, mas eu também trouxe uns lanchinhos porque preciso me manter no peso. Vamos ter três dias no mato. Não posso ter medo de bicho, não. Mas de coturno acho que não vai ter problema, né? Mas meu pai serviu também e está me dando várias dicas. Meu irmão foi dispensado do serviço militar e eu, a filha mulher, estou realizando o sonho dele".

Sonho antigo Tiago Camilo tinha outro sonho. Sempre quis disputar um Mundial Militar. Recebeu convites outras vezes, mas só agora conseguiu dar um passo na direção que queria. Para o medalhista olímpico e campeão mundial, será uma boa vantagem poder competir mais vezes com alguns de seus adversários.

"Há muitos judocas militares competindo em Olimpíadas. O Brasil é que quase não tinha. Essa é uma oportunidade de ter uma competição a mais na bagagem um ano antes dos Jogos de Londres-2012", disse.

Nas Olimpíadas de Pequim, das 72 medalhas conquistadas pela Rússia, 44% foram ganhas por atletas militares. Na Alemanha foram 37% (do total de 41), na Itália 54% (28) e na França 30% (40).

No Brasil, os atletas selecionados no primeiro edital terão direito a um soldo de R$ 2.500 e a todos os benefícios da patente. Os contratos podem ser renovados em até sete anos. Todos fizeram questão de dizer que a segurança do vencimento não foi o principal atrativo. O aprendizado e o respeito ao país, sim. A partir de agora, eles terão como única exigência participar de todas as competições militares. Há uma previsão de que sejam abertas 48 vagas para o segundo edital.

"Os atletas convocados devem servir de exemplo e motivação para o militar de carreira. Vai ser importante para alavancar o desporto militar", disse o Coronel Hertz, oficial de comunicação social do estágio, lembrando que os sargentos estão sujeitos ao regulamento militar em caso de indisciplina fora do quartel e de doping.

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