Quando reforçou o Atlético-PR , em janeiro de 2017, para a disputa da Libertadores, o atacante Grafite já tinha seus 38 anos de idade. Não era mais nenhum menino, mas continuava marcando seus gols — com 13, foi vice-artilheiro do Brasileirão na temporada anterior, pelo Santa Cruz.
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Só que as coisas não deram certo para o centroavante em Curitiba. Um grave problema familiar e uma série de lesões resultaram em apenas um gol em 24 partidas. Suas atuações eram criticadas pela imprensa e pela torcida.
O tão necessário (e até certo ponto inesperado) apoio veio de outro veterano que ele pouco conhecia: Lucho González.
“Ele foi o cara que, junto com o Paulo André, chegava e tentava me motivar. Me dava moral, brincava comigo, mesmo sabendo que eu não estava num bom momento. O Lucho falava: “Bora, Pantera, precisamos de você’”, conta Grafite, hoje comentarista do SporTV.
“Eu fiquei no Atlético por mais alguns meses. Teria saído antes se não fosse ele. É um cara sensacional. Criamos uma amizade muito boa”, acrescenta o ex-jogador.
O exemplo acima resume bem quem é Luis Óscar González. O argentino, que completa 38 anos em janeiro, pode até não parecer, a olho nu, tão importante para o Atlético. Seus números não se destacam e seu desempenho oscila, mas dentro do clube não há dúvidas de que o meio-campista tem papel crucial no time que disputa nesta quarta-feira (28), às 21h45, no Rio de Janeiro, uma inédita vaga na final Copa Sul-Americana.
Como venceu o jogo de ida, por 2 a 0, na Arena da Baixada, o Furacão pode até perder por um gol de diferença para o Fluminense que volta do Maracanã com a vaga para enfrentar um adversário colombiano: Junior Barranquilla ou Independente Santa Fe.
Com 24 títulos em 20 anos de carreira profissional, González só está atrás das lendas Lionel Messi e Alfredo Di Stéfano no número total de conquistas de seus compatriotas. Mas você nunca verá o camisa 3 atleticano se gabar dos feitos invejáveis.
O esguio meio-campista de 1,85 m – que transitava de área a área como poucos no auge da carreira – prefere ser, por natureza, apenas mais um dentro do grupo. Sente-se mais confortável assim.
E é essa liderança mais silenciosa, alheia à imposição, que tem ajudado a moldar jovens talentos do plantel rubro-negro, como os promissores Bruno Guimarães, Renan Lodi e Raphael Veiga. O exemplo está ao lado. E o respeito é conquistado.
“Gosto que os mais jovens tenham mais responsabilidade e dou conselhos. Alguns devem pensar que sou um velho chato, mas aqui temos vários jogadores com muito futuro”, analisou o argentino em entrevista ao site oficial atleticano, em abril de 2017, quando completava sete meses no CT do Caju.
“Eu sempre fui assim. Mesmo quando era jovem, gostava de chegar cedo e me entrosar com todos. Hoje, faço o mesmo e não com o objetivo de que me reconheçam por isso. Eu sou assim. Mas claro que fico grato de ser uma referência”, ressaltou ‘El Comandante’, que completou 100 partidas pelo Atlético no último domingo (25).
O gol marcado no empate com o Ceará foi seu sétimo em pouco mais de dois anos no clube. Período em que foi do céu ao inferno — e agora, próximo de um título continental, em que ascende novamente em direção ao paraíso.
Quase um ano atrás, após jogar sua primeira temporada completa no Furacão, o argentino viveu um drama pessoal. Foi acusado de tentativa de homicídio pela então esposa, a portuguesa Andreia Marques . O processo corre em segredo de Justiça, mas conta com testemunhos de funcionários do casal inocentando o jogador.
De qualquer forma, o caso ganhou repercussão internacional e abalou a vida do argentino, que ficou sem ver os filhos e com o rumo incerto no fim de carreira. Atualmente, enquanto a decisão judicial não sai, a guarda das crianças é compartilhada.
Apoiado pelo clube, ‘El Comandante’ foi recontratado em fevereiro. E a aposta se cumpre certeira em várias perspectivas.
“Sou fã do Lucho. É um cara altamente preparado dentro de campo, sem falar que agrega muito fora dele. Tem um caráter limpo, uma liderança muito afetiva, de muito carinho com os garotos. Passa muita segurança. É o perfil que o Atlético gosta. Não conquista nada na imposição”, elogia o meia Carlos Alberto, companheiro durante a Libertadores no ano passado.
“É um super profissional, que cuida muito do físico. Acho que o chimarrão, que sempre o acompanha, é o elixir da juventude dele”, brinca Grafite, que ainda o vê com condições de atuar mais um ano.
Bocha e competitividade
Na infância, Lucho demonstrou um interesse não muito comum à idade. Bem antes do futebol, foi a bocha, esporte normalmente associado à idosos, o primeiro a lhe atrair.
Com seis anos, frequentava um parque perto de casa, no bairro Parque Patricios, em Buenos Aires, onde passou a observar — e depois jogar — com os adultos. Apurou a concentração e talvez tenha sido ali, involuntariamente, que começou a desenvolver uma marca de sua personalidade futebolística.
O rótulo de ‘animal competitivo’, cunhado pelo técnico Paulo Autuori ao descrever González, é a mais pura verdade.
“Assino embaixo com o professor. Nos momentos de pressão, quando a partida era fundamental, foi quando mais vi o Lucho se apresentar”, afirma o ex-goleiro Hélton, companheiro em seis títulos portugueses no Porto.
“Ele é competidor, não gosta de perder. Acho que todo atleta argentino tem isso. Não gostamos de perder nem jogando baralho. Ele não é diferente. Foi criado assim”, atesta o meia Andrés D’Alessandro, rival e amigo desde a adolescência.
Enquanto Lucho surgiu nas canteras do modesto Huracán, em 1998, D’Ale jogava pelo poderoso River Plate. Enfrentaram-se inúmeras vezes nos campos das categorias inferiores. E o laço se estreitou a partir de convocações para base da seleção argentina, onde foram companheiros de quarto.
Em 2002, González se juntou ao amigo no River, onde venceram dois títulos do Torneio Clausura. Dois anos depois, conquistaram juntos a medalha de ouro olímpica em Atenas-2004.
“Lucho é um cara simples, tranquilo, que não fala muito. Fala quando precisa falar – e se faz escutado. Ele não gosta de aparecer e está sempre tentando ajudar, se preocupando com os outros”, descreve D’Ale, também nascido em 1981.
Para Juan Pablo Sorín, cinco anos mais experiente, a convivência aconteceu na seleção Albiceleste. Ambos foram titulares na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha.
“Eu o chamava de Sócrates pela qualidade para jogar e pelo físico em algum ponto parecido com o grande Doutor”, relembra o lateral-esquerdo que marcou época por Cruzeiro e River, cobrindo o ex-companheiro de elogios.
“Lucho é um jogador com uma visão diferente. Destacaria seu toque de bola, seus passes e sua categoria e sua dinâmica para ir de uma área a outra acompanhando ao time e se infiltrando para chegar ao gol”, cita.
Mudança
Neste ano, Lucho teve duas fases claras. Sob comando de Fernando Diniz, assim como toda a equipe, o tatuado rendeu pouco jogando em um sistema mais intuitivo, menos vertical e que prezava pela posse da bola, mas com pouco sucesso para abraçar a objetividade.
Com o técnico Tiago Nunes, de quem recebeu a faixa de capitão em determinados momentos, se adaptou melhor a um modelo mais conservador, organizado e incisivo.
“Ele é um líder, mas líder de uma manada treinada e estável. Sua liderança só aparece numa equipe em que a coletividade esteja bem trabalhada pelo treinador. Ele não é do tipo que resgata uma equipe de um ambiente instável, mas do tipo em que aprofunda uma estabilidade já existente”, aponta o jornalista Joza Novalis, especializado no futebol sul-americano.
“Outro aspecto pessoal do jogador que tem tudo a ver com seu atual momento é a generosidade. Sempre foi assim e, neste caso, ela é potencializada com o agradecimento ao clube. Natural que isto emane de Lucho para todos à sua volta e reflita no bem-estar que a equipe do Furacão tem demonstrado ultimamente”, frisa Novalis.
Exemplo
Em Portugal, onde atuou por oito anos intercalados com três temporadas no francês Olympique de Marselha, Lucho se tornou ídolo incontestável dos Dragões. Sua conduta e ética de trabalho, de uma forma ou outra, sempre acabavam virando exemplo quando o líder Hélton precisava trazer algum ‘miúdo’ para o rumo certo.
“Eu falava: ‘Olha lá o Lucho, com o currículo que tem, todo humilde trabalhando. Pega o exemplo dele, que veio para vencer, não para só para passar pelo clube’”, recorda o goleiro.
O lateral-esquerdo Alex Sandro, que teve o argentino como tutor no Porto em 2013, confirma. “O Lucho, ainda mais com os jovens, tenta pegar pelo braço e mostrar os caminhos certos. Tenho certeza que todos os jogadores que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele o veem ele como uma grande pessoa, um grande jogador e um grande exemplo”, resume o atleta da Juventus e da seleção brasileira, em entrevista ao site oficial do Furacão, no ano passado.
Mensurar os benefícios que uma figura dessa envergadura pode agregar ao uma equipe de futebol, contudo, vai além da vivência em si, na visão de D’Alessandro. Principalmente hoje em dia, em que os jovens têm muita facilidade dentro de grandes clubes e, eventualmente, acabam perdendo a essência do jogo.
“Nós aprendemos de outra maneira e hoje, de repente, temos que nos adaptar um pouco mais aos jovens. Mas eu tento, e acho que o Lucho também, passar algumas coisas que aprendemos, de respeitar os mais antigos, aqueles que têm mais tempo de clube. Manter um código no vestiário. Não que na nossa época tenha sido melhor, mas tem coisas que não se podem deixar pelo caminho”, reforça.
O futuro de Lucho no Atlético ainda está em aberto. A conquista da Sul-Americana pode influenciar na permanência, assim como a vontade de defender o Racing, time do coração do camisa 3, pode levar à sua saída.
Seja qual for desfecho desse relacionamento intenso, ambos têm a agradecer.
“As pessoas me tratam muito bem, gostam de mim, me sinto muito à vontade na cidade. Essas coisas ajudam na hora de tomar uma decisão”, revelou González, em entrevista à agência EFE, na semana passada.
A reportagem tentou contato com Lucho, que não respondeu às mensagens.
Atlético-PR x Junior Barranquilla - final da Copa Sul-Americana
Imagens do jogo
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