Gigantes do futebol, Real Madrid e Barcelona são exceções nas famigeradas listas anuais dos times mais ricos do mundo. Na mais recente edição da Football Money League, publicada pelo Deloitte Sports Business Group no mês passado, os rivais espanhóis ocupam as duas primeiras colocações, com receitas na casa dos bilhões de reais.
Blancos (R$ 3,1 bi) e blaugranas (R$ 2,9 bi) alcançam tais patamares apesar de se organizarem de maneira bastante distinta em relação às outras 18 equipes do ranking. Ambos ainda são clubes, no sentido literal da palavra, assim como a esmagadora maioria do futebol brasileiro. Eles têm eleições periódicas, convivem com palpites de conselheiros e já sofreram, invariavelmente, consequências da irresponsabilidade de dirigentes preocupados com a vitória a qualquer custo.
Fugir desse modelo de associação sem fins lucrativos – raríssimo no alto nível do futebol mundial – é o grande desejo do homem-forte do Athletico, Mario Celso Petraglia. Em entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil, no início de fevereiro, o presidente do Conselho Deliberativo disse que o Furacão já está preparado para receber capital de um ‘parceiro estratégico’.
O Rubro-Negro, que recentemente apresentou sua nova identidade visual e resgatou o nome com letra H, contratou a consultoria inglesa Ernst & Young para preparar o terreno antes de virar, de fato, uma empresa. A (iminente) mudança é tratada internamente como crucial para o atual campeão da Copa Sul-Americana mudar de patamar, definitivamente.
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“O nosso salto será a abertura do capital. Contratamos uma das maiores empresas de mundo, que fez a modelagem. Estamos prontos para o parceiro, precisamos da mudança da lei”, pediu o dirigente.
“Se pusermos R$ 1 bilhão, R$ 1,5 bilhão no caixa temos condições de pensar grande, é nosso projeto”, completou.
Anos atrás, Petraglia fez lobby em Brasília para que a entrada de investimento estrangeiro, com segurança política e jurídica, fosse liberada através do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut). Não deu certo. A lei, sancionada em 2015, aliviou os clubes endividados com uma camarada renegociação, mas não abriu a porta para a prospecção de dinheiro do exterior.
A saída, de acordo com vários especialistas consultados pela Gazeta do Povo, seria a transformação em Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Não há, no entanto, nenhuma previsão para o projeto virar lei, especialmente após a mudança de governo. Ou seja, o plano atleticano está nas mãos da vontade política e pode demorar mais alguns anos para sair do papel.
“É um processo lento, político. Precisa entrar em votação, ser aprovado. Mas agora está esse pandemônio que vimos no Senado. O Petraglia tenta mostrar que essa lei pode criar um ciclo virtuoso de entrada de dinheiro no esporte”, analisa o jornalista e consultor de marketing esportivo Erich Beting.
Paradigma
Você torceria para um time de dono? A pergunta, recorrente quando o assunto é a transformação dos clubes em empresas, é o principal paradigma a ser quebrado no imaginário coletivo dos torcedores. Nada mais natural, já que o modelo se arrasta desde os primórdios da bola no Brasil.
“As associações sem fins lucrativos estão obsoletas e são a causa de muitos problemas do futebol”, aponta o jornalista Rodrigo Capelo, especializado em negócios do esporte. “Desde o dirigente irresponsável, que gasta mais do que deveria, que não presta conta a ninguém até a própria estrutura societária, que não tem muito controle, fiscalização”, frisa.
Para o advogado Eduardo Carlezzo, que trabalha com direito esportivo há 15 anos, a questão também passa pela resistência interna dos clubes. Afinal, os conselheiros nada mais são do que torcedores apaixonados — e uma mudança dessa magnitude precisa da aprovação deles. “Quando o clube não tem dono, vale tudo. Quando passa a ter, e o dinheiro sai do bolso do dono, o critério muda porque tem de dar lucro”, explica.
No caso do Athletico, que já trabalha em um nível de profissionalismo bem acima da média, a torcida questiona se a conversão para S.A. não seria a maneira que Petraglia encontrou para se perpetuar no poder sem depender dos votos dos sócios. Aliás, ‘proteger o clube de aventureiros e amadores’ é uma de suas premissas mais fortes.
“Pode ser um jeito de ele ter o poder no Athletico até ser destituído do cargo. Mas aí o futebol deixaria de depender das eleições, viraria um organismo à parte. O time vai continuar existindo, funcionando, e o torcedor pode ou não torcer por ele. Por que, na prática, a torcida já não toma decisão nenhuma. É uma quebra de paradigma que nunca aconteceu aqui em um clube de tanta relevância”, opina Beting.
Aberto ou fechado
Uma hipótese: quais seriam as opções do Athletico a partir do momento em que o futebol fosse desmembrado do clube social? Normalmente, o primeiro passo seria entregar todos os ativos e passivos para a empresa — podemos chamá-la de CAP S.A, a mesma criada para gerir a obra de reforma da Arena da Baixada para a Copa de 2014.
Apenas por ter passado por esta transformação, o Furacão já teria mais credibilidade no mercado, com possibilidade de pegar empréstimos bancários com taxas bem menores, por exemplo.
Mas o grande objetivo é conseguir dinheiro para investir no time. Como? Vendendo um percentual da CAP S.A. para uma grande empresa/grupo de investidores ou abrindo o capital na bolsa de valores.
“O Athletico poderia falar para a Umbro, que já é parceira do clube, que quer vender, vamos dizer, 30% da CAP S.A. Você vai se tornar dona, vai administrar junto, vai ter cadeiras no conselho de administração. Mas para isso, quero um aporte de R$ 100 milhões. É uma possibilidade”, exemplifica Capelo, citando o alemão Bayern de Munique, que tem as empresas Allianz, Audi e Adidas, juntas, donas de 25% do time.
“Poderia ser a Umbro, poderia ser o Manchester City, que é uma multinacional do futebol. Eles têm clubes na Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Japão, Espanha e Uruguai. Por que não investir no Brasil?”, emenda.
Outra equipe inglesa, o Manchester United, é uma das inspirações de Petraglia para o Furacão. Terceiro clube mais endinheirado do mundo, com R$ 2,8 bilhões em receitas na última temporada, os Red Devils foram à bolsa de valores em meados de 1990. Hoje o clube pertence à família americana Glazer, que comprou ações aos poucos, sempre investindo somas milionárias, até ter direito à preferência.
“Não acredito que o Athletico vai querer algo nessa linha, mas o primeiro passo é fazer entrar dinheiro para poder investir em time. E isso pode levar a equipe para outro patamar. É como ter uma Crefisa [patrocinadora do Palmeiras], mas de maneira muito mais profissional”.
Exemplo latino
As três principais equipes chilenas (Colo-Colo, Universidad de Chile e Universidad Católica) são empresas de capital aberto, com ações negociadas na bolsa de valores. A transformação, contudo, não se iniciou de forma voluntária. Pelo contrário.
Maior campeão do país, o Colo-Colo teve a falência decretada pela Justiça em 2002, após décadas de administrações desastradas. Três anos depois, o governo promulgou a lei que criou a Sociedade Anônima Desportiva Profissional (SAPD), possibilitando o desmembramento entre o futebol e os clubes sociais. Criou-se, então, a Blanco y Negro SAPD.
“Por ser o maior clube do país, que concentra quase metade da população como torcedores, o governo tinha essa ‘obrigação’ de não deixar quebrar. A forma para salvar foi obrigarem a criar uma S.A. de capital aberto”, diz o advogado Eduardo Carlezzo.
A empresa fez a abertura inicial de capital, conhecida como IPO (Initial Public Offering), e captou US$ 31,7 milhões com a venda de 100% das ações de classe B. O dinheiro foi utilizado para saldar dívidas e melhorar estrutura e estádio.
O clube manteve uma ação classe A, com a qual pode eleger dois dos nove membros do Conselho de Administração. Os acionistas escolhem os outros sete nomes, além de avaliarem balanços, orçamentos e tomarem decisões sobre os investimentos – com certas restrições impostas pelos diretores eleitos pelo clube.
A iniciativa foi seguida, em 2008, pelo rival La U, que criou sua empresa e negociou 55% das ações no mercado financeiro por US$ 14,7 milhões. No ano seguinte, a Católica desmembrou o futebol do social e arrecadou US$ 25 milhões.
“Para os clubes, foi um sucesso. Hoje eles têm vigilância do mercado, são obrigados a publicar informações como qualquer outra grande empresa. Precisam dar transparência às suas ações, caso contrário sofrem penas sérias, além de perderem credibilidade no mercado”, atesta Carlezzo.
Clube S.A.
A ideia de transformar os clubes brasileiros em empresas é antiga e já chegou a ter força de lei. A partir de fevereiro de 1998, as equipes tinham dois anos para se transformarem em sociedades anônimas, de acordo com a Lei Pelé. Contudo, a regulamentação batizada em homenagem ao Rei do Futebol simplesmente ‘não pegou’. Mas isso não significa que faltam exemplos de clubes-empresa no país.
Normalmente, eles são de menor expressão, como o Red Bull Brasil, com sede em Campinas, braço da fábrica austríaca de energéticos que também tem times em Salzburg, Leipzig e Nova York.
O tradicional Botafogo, de Ribeirão Preto, também se transformou recentemente. Assim como o catarinense Tubarão, que virou S.A. em 2015, quando um grupo de investidores bateu na porta do clube.
O que impede, então, uma grande equipe a seguir esses passos? Impostos e mais impostos.
“Os clubes deixariam de ser associações, com uma série de isenções fiscais, e seriam tributadas como qualquer outra empresa. Se os clubes já não pagam em dia muitos dos impostos que incidem enquanto associações, imagine como S.A. ou Ltda”, destaca Carlezzo.
“Isso causaria uma desigualdade financeira para quem tentasse ir sozinho. Mataria a competitividade”, cita Capelo. É por esse motivo que o Athletico pressiona para que a lei seja alterada, claro, com um regime diferenciado de tributação para quem migrar.
“Cada caso é um caso, mas a mudança para empresa traz benefícios claros para quem faz a lição de casa. Atrair investimento, oferecer transparência e ser uma alternativa de negócio rentável para o investidor”, lista o consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi. “Você pega a lista dos mais ricos do mundo e quase todos são empresa. Não podemos nos prender nas exceções. Não tem outro caminho”, reforça.
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