Marcelinho Paraíba (segundo da esq. para dir.) e os cinco conterrâneos de Campina Grande, na Paraíba: amigos do tipo faz-tudo coordenam todos os passos do artilheiro coxa-branca fora de campo em troca de uma ajuda no fim do mês| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo

Coxa pensa no Santos, mas não esquece rivais

De olho na bola, com o ouvido no radinho e secando os adversários na luta contra o rebaixamento. É mais ou menos isso que a comissão técnica e jogadores do Coritiba farão para terminar a rodada de hoje livre de qualquer risco de rebaixamento.

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Marcelinho Paraíba é quase uma microempresa. Ao redor do jogador giram oito pessoas – dois empresários, um assessor de imprensa e cinco amigos do tipo faz-tudo. Isso sem contar os funcionários do Coritiba que ajudam a organizar a agenda do capitão.Os funcionários da ‘Paraíba S/A’ são todos muito bem remunerados. Eles não revelam o valor, preferem fazer graça. "Salário é coisa para quem quer morrer de fome. O Marcelo nos ajuda", diz, rindo, Éverson Silva, um dos cinco conterrâneos do meia-atacante que já rodaram o mundo ao lado do parceiro de infância. "Moramos em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Ale­­ma­­nha, França, Turquia...", conta Wilson José, encostado na possante caminhonete de luxo do amigo – aquisição intermediada por um dos empresários de Paraíba. "Nos dividimos e fazemos de tudo. Banco, feira, levamos as crianças para a escola... A nossa única obrigação é estar presente em todos os treinos", emenda Cláudio Batista, entre uma piada e outra sobre a aparência dos colegas. "Esse é o Chico Anysio. Olha a cara", diz, apontando para Romero Luciano, cabelo devidamente descolorido como o do patrão.

O artilheiro coxa-branca é um exemplo bem acabado do que se transformou a vida de boleiro. Qualquer boleiro. Há muita gente gravitando em torno dos jogadores profissionais, repartindo o bolo dos polpudos salários. A Gazeta do Povo listou um grupo de cargos feitos sob medida para facilitar – ou atrapalhar – a vida de goleiros, zagueiros e centroavantes. E tenta, por meio de exemplos, mostrar quanto essa gente fatura vivendo à sombra dos craques. Alguns nem tão craques assim.

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Empresários

O discurso é sempre o mesmo: fazemos de tudo para os nossos clientes não se incomodarem. Mas a relação entre boleiros e empresários nem sempre é igual.

Há uma ala que em troca da comodidade oferecida cobra 10% do que os jogadores recebem mensalmente. Por exemplo, se o contrato (negociado pelos agentes) prevê uma remuneração de 100 mil euros (R$ 255 mil) a cada 30 dias, 10 mil euros (R$ 25,5 mil) vão para o bolso dos representantes legais. "Isso (10%) eu sempre cobrei", afirma Marcos Malaquias, da Mais Sports Brazil, responsável por cuidar da carreira de Keirrison, Rafinha, Henrique e Pedro Ken, entre outros. "Jogador de futebol é muito carente, precisa de alguém de confiança ao seu lado", acrescenta ele, há pouco mais de cinco anos no mercado.

Malaquias – ao lado do irmão Naor – descobriu o filão, em 2004, por meio do ex-atleticano Wa­­shington, atualmente no São Paulo. "Ajudávamos no que ele precisava. Em troca ganhávamos uma gratificação", explica o ex-vendedor de cereais, sem motivo para reclamar da vida. "É um nicho de mercado que eu vi antes".

Confiança é fundamental. O ex-lateral-direito Ubiraci Cardoso, o Bira, acompanha o veterano Marcelinho Carioca desde o fim de 2003. Amigos de infância, eles jogavam juntos em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro. O mundo da bola, porém, se abriu apenas para Marcelinho, criado para ser o substituto de Zico no Flamengo. "Era apenas um lateral esforçado", revela Bira.

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O jeito foi agir nos bastidores. Bira é quem ajuda a decidir onde o Pé de Anjo irá jogar. Ele teve influência na volta do jogador aos gramados – Marcelinho virou comentarista da Tevê Bandeirantes em 2007. Em troca da assessoria, embolsa de 10% a 15% de cada neg­­­ociação. "Não mexo no salário, que é sagrado. Mas se você consegue uma luva (bonificação pela assinatura do acordo), fico com uma parte", explica ele, já planejando uma sociedade mais robusta quando o amigo decidir pendurar as chuteiras definitivamente, após o Paulistão do ano que vem. "O Marcelo será candidato a deputado federal pelo PSB. Eu tocarei os negócios", diz, fazendo referência ao centro de treinamento construído pelo jogador do Santo André em Atibaia (SP).

Amigo faz-tudo

Uilian Barbosa Filho tem um prestígio incomum entre os boleiros. Ele ficou um semestre morando na Alemanha com o ex-coxa Henrique no ano passado. A função? Ajudar o parceiro a se adaptar ao novo país e não sentir tantas saudades do Brasil. "Não tinha despesa nenhuma", conta o proprietário de um escritório de representação de carne – o negócio teve de ser administrado pelo sócio durante a estada em Leverkusen. "Sem­­pre falo para os meus jogadores: se o cara ganha R$ 3 mil no Brasil, dá 3 mil euros (R$ 7.600) para ele na Europa. O cara vai ficar superfeliz", explica Marcos Malaquias.

Uilian já está de malas prontas. No mês que vem embarca para Lisboa, em Portugal, para fazer companhia a outra cria alviverde: Keirrison, do Benfica. "Mas ele é pão-duro. Não sei como vai ser", conta, rindo. "Vamos ao shopping, cinema, tudo juntos. O Marcelo só se preocupa em jogar bola", diz Rogério Silva, um dos 12 atuais moradores da "Paraíba’s House", localizada em um condomínio de luxo vizinho ao centro de treinamento do Coritiba.

Assessor de imprensa

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O Paraná ainda não atingiu o nível do eixo Rio-São Paulo quando o assunto é assessoria de imprensa. Por aqui o valor mensal para colocar o jogador na mídia (entre outras funções) varia de R$ 300 a R$ 600 por cliente. "Mas há quem trabalhe em troca de camisa", diz um experiente jornalista, que pede para não ter o nome revelado. O segmento, porém, está em expansão.

Em mercados mais desenvolvidos, em que quase todos os jogadores andam com um assessor a tiracolo, o valor fica entre R$ 1 mil e R$ 3 mil. No caso de o boleiro atuar no exterior, a mesma remuneração é convertida para a moeda vigente no país.

Segurança

Como o futebol paranaense não tem nenhum Ronaldo ou Adriano, por aqui o cargo é exercido na base da improvisação. Normalmente a responsabilidade é dividida por assessores e amigos faz-tudo. "Estamos sempre atentos para cuidar do Marcelinho", revela Rogério Silva, conhecido entre os paraíbas como Jack.

Vendedor

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Antes de cuidar da carreira de Marcelinho Paraíba, Orlando Almeida era um vendedor de automóveis que batia ponto no CT do São Paulo. "Naquela época, 1996, tinha mês que eu vendia de 15 a 20 carros. Era Vectra, Audi A3, A4, Golf... O Marcelo, o Bordon (zagueiro) e o Alexandre (volante) eram os meus melhores clientes, trocavam de carro a cada três ou quatro meses", conta ele, que mudou de ramo por causa da pressão de Paraíba, insatisfeito com o seu agente à época.

Almeida, porém, mantém uma agenda atualizada no meio automotivo. Foi ele quem encontrou a Mercedes ML 350, preta, comprada recentemente pelo jogador coxa-branca, estimada em R$ 180 mil.

A passagem contada por Almeida, funcionário de Joseph Lee, o outro representante de Marcelinho, revela a compulsão dos boleiros por carros, roupas (Armani, de preferência), relógios, tênis e, mais recentemente, por perfumes e cremes. Quem descobriu a oportunidade primeiro se deu bem.

É o caso de Adílson Santos, de 34 anos. O autônomo enche o carro de produtos importados e passa semanalmente pelos centros de treinamento dos três clubes de Curitiba. Às vezes, marca horário e vai à casa do jogador negociar. "Essa área é boa de ganhar dinheiro", diz ele, que estava em uma agência dos Correios durante a conversa com a Gazeta do Povo, despachando aparelhos de rádio e cremes para Asprilla e Carlinhos Bala, ambos do Náutico. "Eles gostam mais de creme do que mulher".

Santos busca mercadoria no Paraguai e no Panamá. Paga de US$ 5 (Panamá) a US$ 10 (Paraguai) por um pote de creme – algo entre R$ 8,50 e R$ 17. Revende aos boleiros por R$ 35. A espantosa margem de lucro resulta em um faturamento estimado em R$ 10 mil/mês. "O meu melhor momento foi entre 2005 e 2006, quando cheguei a ganhar R$ 30 mil", revela o comerciante, entregando uma certa inadimplência – o caso de um ex-jogador do Atlético, devedor em mais de R$ 7 mil, chegou a parar na Justiça.

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Na próxima semana, Santos levará a sacola ao Recife e a Brasília (DF), oferecendo produtos para os elencos de Sport e Brasiliense. "Tenho muitos contatos", ressalta, ensinando o caminho a ser seguido.

O fotógrafo Heuler Andrey está "lidando" com o futebol há três anos. Oferece fotos de todos os tipos e tamanhos. Os atletas gastam em média R$ 300 a cada compra. Ele não revela quanto consegue tirar a cada 30 dias, mas deixa no ar: "Vivo disso".

Maria-chuteira

Não existe jeito de falar de jogador de futebol e não mencionar as marias-chuteiras. Classe representativa, que costuma perturbar a vida – e as finanças dos boleiros. É comum histórias de amores, casamentos, gravidez e divórcio. Tudo em um curto espaço de tempo. O ex-atacante Romário, em volta com problemas judiciais por causa de atrasos no pagamento de pensões, representa bem a relação maria-chuteira x artilheiro afoito.

"Isso é notório. O futebol está cheio de pessoas aproveitadoras", diz Marcos Malaquias, da Mais Sports Brazil. "O meu jogador pode estar até um pouco apaixonado, mas falo diretamente, tento mostrar a dupla personalidade da mu­­­lher, para prestar atenção que ela pode estar interessada apenas no lado financeiro", completa.

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Do outro lado as meninas re­­clamam do patrulhamento exagerado dos agentes. "Sempre bati de frente. Acho que alguns (empresários) preferiam que os jogadores continuassem solteiros. Eles querem ter o controle da vida deles", afirma a ex-mulher de um boleiro criado no futebol paranaense, fechando com uma frase emblemática: "Essas meninas estão sempre procurando uma vida fácil, acham que é fácil casar com jogador, que o dinheiro vem fácil... Mas não é assim. Nem um pouco".