• Carregando...
O choro da vergonha: os treinadores de atletismo Jayme  Netto e Inaldo Sena protagonizaram o maior escândalo  de doping no país | Valeria Gonçalves/AE
O choro da vergonha: os treinadores de atletismo Jayme Netto e Inaldo Sena protagonizaram o maior escândalo de doping no país| Foto: Valeria Gonçalves/AE

Rio-2016 estimula reforma na lei e criação de agência antidoping

O recorde negativo do doping nacional, combinado ao fato de o Brasil tornar-se sede da Olim­­pía­da de 2016, pode impulsionar a estruturação de uma política de combate ao uso de meios ilícitos para vencer. Este mês, o Conselho Nacional do Esporte do Ministério do Esporte aprovou a reforma do Código Brasileiro de Justiça Des­­portiva (CBJD). "Com essa re­­visão, o CBJD adota por completo o Código Mundial Anti­­doping, o que considero um avan­­ço. Assim, o Brasil diz ‘sim’ ao esporte sem doping", avalia Alberto Puga.

Outra ação motivada pelo Rio-2016 é a criação de uma agên­­cia nacional antidoping desvinculada do Comitê Olím­­pico Brasileiro (COB). "Isso é im­­portante para dar maior credibilidade do país. O COB é parte interessada em não ter casos de doping. É melhor que o Governo Federal gerencie e subsidie o con­­trole", afirma Pagnani.

Sob o nome provisório de Autoridade Brasileira de Con­­trole de Dopagem (ABCD), a agên­­cia será vinculada ao Mi­­nis­­tério do Esporte. No anúncio de sua criação, em 10 de de­­zem­­bro, o diretor da Secre­­ta­­ria Na­­cional do Esporte em Alto Ren­­dimento, Marco Aurélio Klein, confirmou o investimento inicial de R$ 7 milhões em modernização do Ladetec, único laboratório brasileiro credenciado da Wada e em investimentos de estruturação da ABCD.

Os vilões

Veja quais as principais substâncias encontradas nos 46 casos de doping flagrados em atletas brasileiros em 2009:

EPO – Abreviação de eritropoietina, hormônio secretado pelo rim que eleva a produção de glóbulos vermelhos, o que aumenta a produção de energia aeróbica e melhora a performance de ciclistas, corredores de longa distância e atletas de resistência. Foi a substância encontrada nos escândalos do atletismo (sete casos) e ciclismo (cinco exames positivos).

Anabolizantes – Em geral, causam aumento de força e volume muscular sem ganho de peso. Alguns anabolizantes têm somente ação cicatrizante, como o Clostebol. Tais substâncias apareceram em 10 dos exames feitos nos atletas brasileiros neste ano.

Cocaína e maconha – As drogas de efeito psicotrópico não melhoram o desempenho, mas permanecem proibidas. Em 2009, foram encontradas nos exames de atletas do futebol, vôlei e ciclismo (seis testes) O atacante Jóbson, do Botafogo, foi flagrado duas vezes pelo uso de cocaína.

Diuréticos – Proibidas aos atletas por mascararem o possível uso de outras substâncias que melhoram o desempenho dos atletas. A furosemida é o diurético encontrado no teste da ginasta Daiane dos Santos. Outros três exames acusaram positivo para diuréticos, inclusive o de Mariana Ohata, na Copa do Mundo de Triatlo.

Isometepteno – Vasoconstritor presente em medicamentos como os de combate à dor de cabeça. Também pode ser resultado da ingestão de estimulantes. Sem ter como ser comprovada a origem da substância no organismo – se por medicação ou doping –, acabou proibida pela Wada. Foi encon­trada em quatro testes em 2009.

  • Veja os atletas flagrados no antifoping no Brasil em 2009

Recordes costumam ser motivo de comemoração – como a festa em torno do nadador Cesar Cielo, que em 2009 fez os menores tempos da história nos 50 e 100 metros livre. Outra marca, porém, destacou-se mais no ano esportivo brasileiro: o de maior número de atletas flagrados usando doping. Foram 46 exames positivos em 2009 para o uso de substâncias proibidas.

Até então o ápice era de 31 testes, em 2004. Há cinco temporadas, o futebol foi o esporte com maior número de quedas (11); e os anabolizantes foram os campeões de uso, encontrados em 15 verificações. Agora, o atletismo encabeçou a lista, com 17 aparições deflagradas, seguido do futebol (10). A eritropoietina (EPO) apareceu 12 vezes.

O Paraná teve quatro atletas envolvidos, todos flagrados pelo uso da droga do momento: a EPO. Luciana França, atleta dos 400 m com barreira, da Rede Atletismo; Alex Arseno, Alcides Vieira e Clé­­berson Weber, da equipe DataRo, de ciclismo, compõem o grupo. Todos condenados a dois anos de suspensão.

"Foi um número surpreendente. Há tempos não tínhamos casos de doping e este ano foram oito (uma absolvição, a de Maurí­­cio Morandi). Acredito que os ci­­clistas viram que não dá para arris­­car e esse número deve cair novamente em 2010", diz o presidente da Confederação Brasileira de Ciclis­­mo (CBC), José Luís Vascon­­cellos.

O dirigente não descarta que os atletas tenham subestimado a fiscalização. A confederação faz, anu­­almente, 280 exames por ano, em provas internacionais. "Pelo custo do exame (de R$ 500 a R$ 1 mil, cada), não temos como fazer em outros períodos", conta.

A Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) é uma daquelas que adotaram os exames-surpresa. O resultado foi um dos casos mais surpreendentes do ano: os cinco atletas da Rede Atletismo flagrados pelo uso de EPO às vésperas de disputarem o Mundial de Berlim, em agosto. Eles não teriam sido informados de que a substância injetada em seus corpos, sob a orientação do técnico Jayme Netto e do fisiologista Pedro Balikian Junior, era vetada.

O positivo para furosemida (diu­­rético) no teste da ginasta Dai­­a­­ne dos Santos, em novembro (ainda luta nos tribunais pela absolvição), e da triatleta Maria­na Ohata também chamaram a atenção.

Mariana foi suspensa seis anos do esporte. Ela já havia sido flagrada em 2002, pelo uso de um derivado de anfetamina. Na natação, a jovem Lorena Rezende foi flagrada pelo uso de anfetamina no Troféu José Finkel deste ano. Ela afirmou que usou um suplemento alimentar e não sabia que continha produtos proibidos.

O "eu não sabia" é um argumento comum dos atletas para se defenderem. Uma justificativa fraca, afirma uma fisioculturista que prefere não se identificar. Ela diz acreditar que todo atleta de alto rendimento sabe bem o que ingere ou aplica no próprio corpo. "Fora da temporada de competição, muitos atletas usam produtos ilícitos e assim não caem nos testes", conta.

O desconhecimento da lista de produtos proibidos não convence a Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês). "Se­­gun­do o Código Mundial da entidade, cabe ao atleta exercitar o seu auto-controle", afirma o doutor em Ciências do Esporte e autor do livro Leis Antidoping, Alberto Puga.

No campo do Direito, o flagrante por doping acarreta a chamada responsabilidade objetiva – ou seja: o atleta será responsável, independentemente de ter culpa.

O presidente da Associação Brasileira de Estudo e Combate ao Doping (ABECD), Alexandre Pagnani, defende que as confederações também sejam responsabilizadas. "Elas têm de esclarecer o atleta que, muitas vezes, não tem condições de sozinho saber o que pode usar ou não. A questão vai além. Falta uma política de investimentos contra o doping", diz.

Ele se refere ao fato de grande parte das Confederações não aplicarem testes fora de competições internacionais. "Uma solução seria incluir na legislação que parte da receita da Lei Piva deva ser destinada à aquisição de exames", sugere.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]