A Gazeta do Povo e a Tribuna do Paraná selecionaram jogos antigos, disponíveis na íntegra na internet, para serem vistos e revistos. Do ponto de vista técnico, tático ou, até mesmo, apenas pessoal, leia como foi a experiência, tanto tempo depois.
"A tragédia do Sarriá revivida 38 anos depois ainda é um pesadelo impossível de acontecer", por Julio Filho
Reviver a eliminação do Brasil para a Itália em 1982 é sofrer novamente por uma derrota que até hoje parece não existir na realidade, mas sim em um pesadelo em que todos os personagens, obrigatoriamente, usam costeletas, bigodes e calções curtos.
E em que o grande vilão é um improvável atacante italiano magro, pálido e de cabelos negros.
Nascido em 1989, nunca havia assistido à partida em Barcelona na íntegra. Tinha visto os lances e gols, é verdade, e também a conhecia pelos relatos e memórias de pais, tios e avós, sempre carregados de paixão e tristeza.
O que pude notar, então, é que a nostalgia dos mais velhos está longe de exagerada: na verdade, ela não faz jus à experiência incrível de ver aquele time comandado por Telê Santana em ação. Uma seleção em estado de arte. E que supera até mesmo nossa própria imaginação.
De repente, no gramado do já demolido Sarriá, com listras horizontais, verticais e diagonais unidas em um vertiginoso mosaico verde, Júnior aparece armando o jogo pela meia direita, enquanto Leandro por vezes faz a função de ponta esquerda.
Em uma espécie de caos organizado, os volantes Sócrates e Cerezo rompem esguios na área adversária como atacantes, enquanto o zagueiro Luizinho surge na intermediária ofensiva para criar jogadas. Ninguém guarda posição. E mesmo assim o time está sempre equilibrado.
Quando a bola chega em Zico, então, é como se a própria rotação do universo mudasse de frequência frente à genialidade natural do camisa 10. Novamente, já havia visto lances do Galinho, mas nunca uma atuação completa em 90 minutos.
Algumas peças destoavam, é verdade – o atrapalhado goleiro Waldir Peres e o atacante Serginho Chulapa, em sua constante luta contra a bola, que o digam. Mas o cenário era claro. Um Brasil especial duelava com uma Itália absolutamente comum.
Talvez por isso, do início ao fim, a derrota brasileira nunca pareceu possível. Nem mesmo aos cinco minutos, quando Cabrini cruza da esquerda e Paolo Rossi surge como um raio em frente a Peres para abrir o placar de cabeça.
Até porque, logo aos 12, Sócrates recebe de Zico e bate para superar o elegante goleiro Dino Zoff. 1 a 1 e o mundo volta a fazer sentido novamente. “Doutor em medicina e fumante e bebedor inveterado”, ressalta o narrador em inglês.
No entanto, as coisas voltam a ficar estranhas quando Cerezo atravessa passe na intermediária e vê Rossi, novamente, interceptar e bater Peres, fazendo 2 a 1, ainda na primeira etapa. O Brasil ainda precisava apenas de um empate para avançar. E o sentimento era de que conseguiria com certa tranquilidade
Aos 25 do segundo tempo, quando Falcão recebe na entrada da área, corta para o meio e dispara com violência para superar com a perna esquerda o quase perfeito Zoff, respiramos aliviados. Após o empate, o Brasil parecia perto de virar. Um nítido abismo de qualidade nos separava da Itália.
Mas a atmosfera de estranhamento nunca deixou o Sarriá naquela insólita tarde de segunda-feira de 1982.
Algo de incomum pairava naquele ambiente de buzinas estridentes, papéis higiênicos atirados em campo, sinalizadores, bandeiras de mastro em profusão e até uma pipa verde e amarela içada por um torcedor nas arquibancadas em pleno intervalo, nos relembrando que a Copa do Mundo já foi um evento popular.
E então o absurdo acontece: Rossi aproveita bola rebatida na área e desvia novamente do impotente Peres, para delírio dos incrédulos italianos e desespero brasileiro. 3 a 2 Itália. Um gol feio, que derrubou uma das mais belas seleções da história.
É impossível não ficar chocado quando o árbitro determina o fim. E não ficar atônito ao ver os brasileiros deixando o gramado derrotados rumo ao vestiário, que deve ter se transformado em um velório naquela tarde quente e traumática que entrou para a história na Catalunha.