Luciano Pagliarini teme que doping e saída das Olimpíadas enfraqueçam o ciclismo| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

Há 10 anos, escândalo da equipe Festina agitava o ciclismo mundial

Em 1998, integrantes da equipe Festina ficaram mundialmente conhecidos no mundo do ciclismo pelo grande esquema de tráfico e venda de substâncias dopantes montado durante a Volta da França daquele ano. Antes do escândalo atual, o caso Festina criou as mesmas dúvidas do presente, porém pouco mudou, apesar da punição de muitos atletas e médicos da equipe.

"Desde aquela época, quando estourou o doping induzido, esses esquemas sempre existiram. Pouco mudou. O doping hoje não é mais acidental, como era o da codeína, mas sim genético mesmo. O que vemos agora é uma evolução muito grande dos produtos, e alguns jovens aderindo a isto. Mas existem aqueles garotos que aparecem com a postura correta, querendo aposta na preparação física mesmo", disse Mauro Ribeiro.

O acesso à tais substâncias, segundo os ciclistas brasileiros, não é dos mais difíceis. "Ninguém te oferece, mas é o tipo de coisa que você encontra se quiser. Geralmente quem aceita tomar essas coisas faz isso longe dos médicos da equipe, já que o controle é grande em um time como o nosso. Existe muita política e dinheiro envolvidos, então não surpreende alguns cederem à tentação", comentou Luciano Pagliarini.

Já Murilo Fischer também prefere creditar o uso de substâncias dopantes aos próprios ciclistas. "Antes existiam os famosos médicos que te davam coisas que você não sabia se eram doping ou não, mas eles foram banidos do ciclismo. Ninguém vem te oferecer assim, eu mesmo nunca tive interesse, e o que vale na dúvida é o atleta se informar e não tomar algo que não conheça".

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Nos últimos dois meses, o ciclismo tem aparecido com grande ênfase nos meios de comunicação do planeta. Os motivos de tal exposição, contudo, não são positivos. A seqüência assustadora de atletas europeus de ponta pegos nos exames antidoping, principalmente na última Volta da França, coloca um ponto de interrogação nas causas e conseqüências do uso irrestrito de substâncias proibidas, e apesar de não ter nenhum atleta envolvido diretamente, o Brasil não escapa ileso dos desdobramentos.

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Integrante da equipe Saunier Duval, o paranaense Luciano Pagliarini viu de perto a polêmica. Ele corria ao lado dos Leonardo Piepoli e Riccardo Ricco, pegos por uso do CERA, uma nova versão da eritropoietina (EPO), durante a Volta da França deste ano. A droga era a favorita dos ciclistas, pois além de ser de difícil detecção, favorecia um aumento substancial da resistência dos atletas.

"Essa história aconteceu em um momento muito delicado. Me fez mal direta e indiretamente. Nossa equipe acabou perdendo o patrocínio após o Ricco ser pego, e são 60 famílias envolvidas nisso, entre atletas, médicos e outros. Fomos excluídos de muitas provas, e é complicado você ser prejudicado assim, sem ter nada a ver. Passei um tempo em casa, sem poder correr por conta disso", contou Pagliarini, diretamente da Itália, à Gazeta do Povo Online.

Representante brasileiro nas Olimpíadas de Pequim – ao lado do catarinense Murilo Fischer –, Luciano Pagliarini afirmou que, além dos dopings confirmados dos dois ciclistas italianos, a divulgação de que os espanhóis Manuel Beltran e Moises Duenas Nevado, o austríaco Bernhard Kohl, o alemão Stefan Schumacher e o cazaque Dmitriy Fofonov, também fizeram uso de substâncias proibidas colocou o nome do ciclismo em xeque.

"Acredito que existam ainda outros nomes envolvidos, e tudo que vem ocorrendo está dando uma balançada no ciclismo. Temos que tirar essas ‘laranjas podres’ e quem foi pego tem que ser punido. O nível de riscos que alguns correm é tão grande que temos de fazer muitos exames durante o ano. Eu, por exemplo, passei por 18, e o Ricco passou por 32. Não consigo imaginar como alguém pensa em se dopar em uma condição como esta, correndo um risco tão grande".

Seguindo as normas da União Ciclista Internacional (UCI), todos os atletas pegos serão suspensos por pelo menos dois anos, e podem ser banidos em caso de reincidência.

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Na opinião de Murilo Fischer, a iniciativa em "perseguir" atletas suspeitos é louvável. "Acredito que nenhum outro esporte faça o que o ciclismo vem fazendo. É uma coisa boa e inteligente para o esporte. No esporte de alto nível, sempre vai ter alguém querendo ‘passar a perna’ nos outros, principalmente quando se fala em dinheiro, imagem e vitórias. Acho que todos nós estamos nos sacrificando e a mídia só está vendo o lado negativo", explicou o catarinense.

Ciclismo fora das Olimpíadas: Verdades e mitos

Após a explosão do escândalo dos dopings, o vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, declarou a um jornal alemão neste mês que talvez fosse a hora de repensar a presença do ciclismo nos Jogos Olímpicos, principalmente pela atitude de determinados atletas ir totalmente na direção oposta ao espírito olímpico. Para o técnico da seleção brasileira de estrada, Mauro Ribeiro, o sinal de alerta para os atletas e organizadores já está aceso.

"Esta possibilidade do ciclismo ficar de fora das Olimpíadas é uma coisa, e que já vem sendo colocada pela própria UCI há dois anos. É aquele princípio de ‘onde há fumaça, há fogo’. Uma opinião como a do COI pesa, e se amanhã ou depois acontecer, não seria surpresa para mim", lamentou Ribeiro.

"O que entristece é que são ídolos do esporte que estão sendo pegos. O doping sempre existiu, mas antigamente não existia um controle como o atual. O ciclismo de hoje é um grande negócio, que gera milhões de euros por ano e que envolve muitos interesses. Punir estes atletas que foram pegos recentemente foi uma maneira que acharam boa para tentar limpar o esporte. Só não sei se é a mais correta", completou o treinador, com o conhecimento de quem já foi campeão júnior em 1982 e vencedor de uma etapa da Volta da França em 1991 – feito inédito para qualquer outro brasileiro.

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A possibilidade do ciclismo deixar os Jogos faz Luciano Pagliarini ir mais além. "Isso não pode acontecer, porque se realmente ocorrer, o esporte acaba, porque o interesse dos governos, dos patrocinadores, os investimentos, deixam de existir. Tudo já é feito com bastante dificuldade, e eu acho que muitos atletas seriam prejudicados. É preciso que os ciclistas se conscientizem da beleza do ciclismo e de como o esporte pode realmente acabar se essa insistência no doping prosseguir", opinou o paranaense.

Com ou sem doping no esporte, brasileiros vivem futuro incerto

Com a diminuição dos recursos para se custear equipes de ciclismo na Europa, Murilo Fischer e Luciano Pagliarini ainda vivem um período de incertezas para o futuro. O ciclista catarinense planeja iniciar mais um ciclo olímpico para os Jogos de 2012, em Londres, após um período de férias no Brasil, no fim deste ano. Depois disso, muitas incertezas. "Tenho contrato até o próximo ano com a Liquigás e a Volta da França será a minha principal prova na temporada 2009. Depois disso eu não sei, mas quero continuar na Europa para mais este ciclo olímpico", comentou Fischer.

Já Luciano Pagliarini negocia a permanência no circuito europeu por pelo menos mais uma temporada, porém existe a possibilidade do ciclista se aposentar no fim deste ano. "Não vou ficar na Saunier Duval, então estou livre para negociar com duas equipes. Já tenho 10 anos de Europa, e o momento é de avaliação, se vale a pena continuar a vida de atleta. Minha filha está crescendo agora e é muito complicado ficar longe da família por várias semanas, participando de algumas provas. É possível que eu volte para o Brasil, não para competir, mas para tocar outros projetos. Estabilidade financeira não é problema, então existe essa possibilidade de eu parar", assegurou.

Já o técnico Mauro Ribeiro aguarda as eleições na Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), em janeiro de 2009, para definir se permanece à frente da seleção brasileira de estrada. "Gostaria de continuar na área técnica, mas é preciso aguardar as eleições, não sei como as coisas vão ficar, se a atual direção vai permanecer ou não. Só depois disso é que vamos sentar para conversar e ver se fico para mais um ciclo olímpico ou se saio", explicou.

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Certo mesmo é que o controle ferrenho sobre os atletas não deve dar trégua. "Quando um ciclista viaja, ele precisa dar todos os seus endereços, telefones, para onde vai, o que vai comer, etc. O Murilo mesmo vem passando por isto agora que está de férias. É muito desgastante, acho algumas coisas exageradas, mas foi a única maneira que eles encontraram de atacar o problema. Eles entram na intimidade do atleta mesmo", concluiu Ribeiro.