Sâmia Halage ainda não sabe se segue com a seleção após Pequim| Foto: Cezar Loureiro/ Agência O Globo

Pequim - Início de madrugada do dia 12 de julho no Brasil. Do outro lado do mundo, o técnico Zé Roberto, da seleção feminina de vôlei, convoca todas as jogadoras do time para uma reunião a portas fechadas no vestiário da Arena Yokohama, no Japão. Minutos antes, a equipe arrasava Cuba, rival histórica, por 3 sets a 0, sacramentando a conquista do sétimo título do Gran Prix.

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Na conversa de pouco mais de 20 minutos, nada de comemoração, muitas recomendações. O treinador alertou o grupo sobre a necessidade de se continuar vencendo, de se estabelecer na seleção um comprometimento com a vitória. "Precisamos ganhar de Cuba lá (na Olimpíada de Pequim)", ressaltou ele, interrompendo por instantes a festa das brasileiras.

A passagem revela que há algo de novo no time feminino. Fã incondicional da psicologia esportiva, Zé Roberto incorporou em maio a psicóloga Sâmia Hallage à sua comissão técnica. Por mais que o treinador insista no discurso de que esta equipe possui muito mais vitórias do que derrotas, é certo que reveses emblemáticos – como na semifinal da Olimpíada de Atenas (3 a 2 para a Rússia, após estar ganhando o quarto set por 24 a 19), na final do Mundial de 2006 (novamente ante as russas) e na decisão dos Jogos Pan-Americanos (Cuba 3 a 2) – ainda incomodam. Por isso a ajuda profissional.

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"A Sâmia está com essas meninas desde a categoria de base. Ela vai ajudar com todo o conhecimento que tem delas. A responsabilidade de se disputar uma Olimpíada é muito grande. Por isso toda ajuda será bem-vinda. Mas isso não quer dizer que ganharemos só por causa do aspecto psicológico. A pressão vai ser grande. Precisamos estar com a cabeça tranqüila, sabendo que estamos no caminho certo", avaliou o técnico.

E é aí que a cena ocorrida no Japão ganha muito mais importância. Ela explica – e exemplifica – a mudança de filosofia que vem sendo implementada na seleção feminina pela dupla Zé Roberto/Sâmia Hallage. A intenção é mexer com a cabeça das meninas, criar um ciclo virtuoso com a conquista de vários títulos em seqüência, algo semelhante ao que acontece com o time masculino sob a batuta de Bernardinho, e apagar de vez a pecha de "time amarelão" – crítica que incomoda sobremaneira as jogadoras.

"O que houve foi uma falta de preparação, pois não tivemos o ciclo olímpico e, por isso, não merecíamos ganhar aquela Olimpíada (Atenas-04)", afirma a oposto Mari, paulista criada em Rolândia, no interior do Paraná, fazendo referência à derrota mais marcante desta equipe.

Sâmia participou diretamente da conquista do Gran Prix. Além de fortalecer o elenco mentalmente em reuniões pré-jogo, a psicóloga se tornou uma espécie de intermediária entre o elenco e o treinador durante os 38 dias de concentração no Oriente, desatando nós e facilitando a convivência. "A gente precisava disso, porque, às vezes, é difícil para um homem entender a cabeça de mulher", diz Mari. "Ela está ali para ajudar com coisas como avisar ao Zé que não dá para pegar no pé de uma atleta porque ela não está legal ou dar uns toques sobre como falar com a gente nos diversos momentos. Isso ajudou muito", acrescenta ela, eleita a melhor jogadora da competição.

O trabalho é de observação. Ao detectar que uma atleta não está rendendo tudo o que pode, ou qualquer sinal de fraqueza, Sâmia entra em ação. Puxa de lado e dá-lhe conversa, até que o problema seja resolvido. Nada pode atrapalhar a caminhada de consolidação, se a geração atual quiser inverter o rótulo e entrar para a história como um conjunto vencedor. "Todo mundo pensa que essa seleção tinha problemas, pegavam no pé, falavam que amarelavam. Não há nada disso. O grupo é guerreiro. O título do Gran Prix comprova isso", comenta ela, que além das seleções de base, orientou também os times nacionais de basquete em cadeiras de rodas e voleibol sentado na Paraolimpíada de Atenas.

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Anjo da guarda da equipe e braço direito de Zé Roberto, Sâmia prefere enaltecer o trabalho do conjunto – apesar de o time ter dedicado à psicóloga o título no Japão. "Ganhamos todos. Aqui uma ajuda a outra. Esse é o espírito que o Zé gosta, e que vai fazer com que tenhamos um bom resultado na Olimpíada", ressalta a profissional, que ainda não sabe se seguirá para Pequim com a seleção. "O Zé quer muito. Mas depende da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol)."