"Vai firme, vai, se manda! Vai torcer pra Gana." Mal a bola rolou para o Brasil na Alemanha e, em Curitiba, no tradicional Café da Boca, saiu o primeiro cartão vermelho. Indignado com a gorada, Maurício Gleiser, 69 anos, expulsou o companheiro pouco patriota, que bateu em retirada. Mesmo com o calçadão da Rua XV de Novembro deserto, todas as lojas fechadas e o frio, o ponto mais tradicional da capital mantinha a fama de ser o centro nervoso do estado.
"Ô, comendador! Sai da frente", ordenou novamente Gleiser, agora para o cliente distraído que parou na frente da tevê, estrategicamente na entrada. O representante comercial integrava a facção "cavaleiros da Boca Maldita", ao lado do amigo Milton Ivan Heller, 75 anos, jornalista aposentado, bem posicionados no pequeno estabelecimento.
Engrossava a pequena e espremida torcida pela seleção a turma das funcionárias, muito animadas, aproveitando a folga do trabalho no fundo do estabelecimento.
"Puxa vida, pedir café essa hora não é coisa de brasileiro", disse uma delas quando solicitada para pegar no batente.
E, por fim, os integrantes do público flutuante, que surgiam, soltavam um comentário digno de quem não se importa muito com futebol, e sumiam no vento gelado.
As diferenças entre a massa surgiram logo nos primeiros minutos, graças ao gol de Ronaldo. Enquanto o pessoal da moda antiga elogiava a categoria do contra-ataque brasileiro, as meninas gritavam, em coro: "Gordo!"
"Torcer aqui é muito legal, tem mais alegria do que assistir sozinha em casa", comentou Gisele do Rocio, 25 anos, funcionária. Acirane, Daiane (duas), Ana Paula, Suelen, Valquíria e Josi completavam a equipe.
O jogo foi rolando, os africanos apertando e os ânimos ficaram exaltados mesmo com os 2 a 0. "Vai Ronaldinho, seu feio!", mandou uma das meninas do fundão.
"Eu falei que venceria, mas com extrema dificuldade", apontou Milton Heller. "Que time é o Kaká? É do Corinthians, né?", soltou uma desinformada figura sobre o meia do Milan, da Itália, que apareceu para espiar o marcador.
Até que Zé Roberto, finalmente, fez as bocas que maldiziam o selecionado canarinho, cada qual a sua maneira, pela terceira vez resolverem as diferenças gritando juntas por mais um gol do Brasil. Fim de partida, café no fogo e Curitiba voltando a funcionar aos poucos. Ficou o alívio e a esperança.
"Quanto sofrimento, mas valeu. O Parreira tem de mudar para conquistarmos o hexa. Vou embora, tchau", disse Honório Carlos Magno, 66 anos, aposentado.