Carlos Alberto Torres, o capitão do tricampeonato mundial, em 1970, esteve nesta terça-feira (30) em Curitiba para integrar oficialmente o projeto Gols Pela Vida, do Hospital Pequeno Príncipe, apadrinhado pelo rei do futebol, Pelé. Ex-jogador de Santos e de Fluminense, o "Capita" visitou o hospital, recebeu o carinho dos pacientes e garantiu que irá convidar outros campeões mundiais para ajudar na arrecadação de recursos para a casa, especializada no atendimento e em pesquisas de doenças que atingem crianças e adolescentes. À noite Torres ainda participa de um jantar beneficente no Graciosa Country Club. Antes disso, foi entrevistado de forma exclusiva pela Gazeta do Povo.
Como você avalia a temporada do Brasileirão, que termina no próximo domingo e pode voltar a ter o Fluminense como campeão, algo que não acontece desde 1984?
Parece que ninguém quer ganhar. O Fluminense estava na frente, deixou para o Cruzeiro, que deixou para o Corinthians, que devolveu para o Fluminense. É aquele tal pensamento de classificar para a Libertadores, ficar no G4. Tem que pensar em ser campeão, parece que ninguém quer mais isso. Juro por Deus que não entendo como um clube como o Fluminense, que tem um patrocinador que deu os jogadores para ser campeão, contratou quem eles pediram, tem um aproveitamento baixo. Tinha que estar com mais de 80 pontos.
O Tricolor das Laranjeiras é seu time de coração?
Gosto muito do Fluminense, me identifico. Afinal foi o clube onde comecei a jogar futebol. Joguei no juvenil, nos dois primeiros anos como profissional e depois fui pro Santos, onde fiquei por 11 anos. Se tivesse um clube para eu me identificar seria o Santos. Mas acho que no esquema profissional não se pode ter essa coisa de o cara chegar e beijar o escudo. Acho que isso é a maior falsidade, profissionalmente falando. Tem que ter dignidade e defender cada clube com maior disposição. Se não, vira amador e vai jogar pelada.
Qual o diferencial para os argentinos Conca e Montillo serem os maiores destaques do campeonato?
Acho que é a dedicação. A gente que é do meio sabe que os argentinos, principalmente, em termos de America do sul, têm muito mais dedicação que os brasileiros. Não é a raça, é dedicação mesmo. [Ser] profissional no duro. Você vê o Conca, que jogou todos os jogos, jogou até machucado. Ao passo que tem jogador brasileiro que sente uma dorzinha e não joga. É uma questão de mentalidade e até de cultura.
Você já viu a famosa "mala branca" que hoje ronda a última rodada do Brasileirão?
Na nossa época o profissionalismo, em relação ao de hoje era nada. A gente ganhava o suficiente para botar comida em casa, fazer supermercado, comprar um carrinho que não era nem do ano. Naquela época era aquilo. Então não tinha essa coisa de mala. Ia sair de onde o dinheiro?
O que você acha de manifestações de torcedores pedido para o próprio time entregar e prejudicar um rival?
Não é legal, sou contra isso. A torcida tem que ter sempre o espírito de apoiar o clube. Você vê o goleiro defendendo tudo e a torcida xingando [no jogo entre Palmeiras x Fluminense]. Isso não é o verdadeiro torcedor.
O que você acha do Neymar e das polêmicas em que ele se envolveu nesse ano?
É um bom garoto, com grande futuro. Vai ser o maior jogador do Brasil. Em dois anos no máximo. Conheci ele, o pai dele e gostei muito. Os problemas que ele passou são normais da idade. Acho difícil que o Santos consiga mantê-lo por mais dois anos. [O time] fez certo no sentido de valorizar o jogador e para depois valer bem mais.
Até onde ele pode chegar?
Isso depende muito dele. Da cabeça, das orientações que ele receber. Do procurador, do pai dele, que é uma pessoa bacana. No futebol, hoje em dia, por sua grandeza, o cara tem que estar preparado porque é muita coisa, são muitos compromissos. Se não fica igual balão japonês: sobe e desce.
Qual sua maior alegria com o futebol hoje?
Talvez muita gente não entenda e me reprove. O que me dá alegria são os jogos na Europa. Dinâmicos. Agora mesmo teve um Barcelona e Real Madrid...
Um jogaço...
É essa a palavra: jogaço. Há quanto tempo você não ouve falar de um jogo assim no Brasil. Me dá alegria ver um jogo assim. Toda hora que vou para fora do país procuro me interar das coisas, o porquê da incrível organização do futebol inglês.
É possível fazer isso no Brasil?
Até daria, mas é muito difícil. Principalmente pela legislação. Lá fora os clubes são empresas. A Lei Pelé diz que os clubes tinham um prazo para se tornarem empresa, mas isso não vingou isso. Aqui os clubes são sociedades desportivas cujos presidentes são eleitos pelos associados. Na Europa a maioria tem um dono, que contrata alguém para presidir. Se o cara não trabalha bem é: me desculpa amigo e tchau. Aqui não tem isso. Às vezes o cara faz uma má gestão e ninguém o tira.
Dentro de campo, o que lhe atrai no futebol europeu?
A televisão, os clubes e a federação chegaram a um acordo lá. Esse é o grande segredo. Pura e simplesmente para tornar o futebol algo dinâmico. Se você assiste a um jogo e ele está morno, você muda de canal. Eu paro de ver a partida e vejo um filme. O que eles fizeram? Diminuíram o tamanho dos campos para o mínimo permitido. Não há condição de ter um jogo dinâmico no Maracanã. Tecnicamente pode ser ruim, mas o jogo é lá e cá durante 90 minutos. Não para. Isso para a televisão é muito bom. Acordo cedo aos sábados de manhã para ver o Campeonato Inglês. Pode ser o último contra o penúltimo, mas o jogo é dinâmico e me agrada.
Aprova a escolha do Ney Franco para treinador da equipe Sub-20 do Brasil?
O Ney é um grande treinador e mostrou isso em todos os clubes em que trabalhou. É um cara sereno, uma boa escolha e já mostrou que tem facilidade de trabalhar com jovens. Acho que foi uma grande escolha do Mano [Menezes, técnico] e da CBF.
Consegue apontar alguns nomes que podem brilhar no futuro?
Não diria que vejo ou conheço. Mas a gente sabe que tem muito jovem bom aí. O Brasil é uma fábrica incrível de jogadores. Daqui a pouco vem outra boa geração
Alguém chama a sua atenção?
Primeiro o Neymar. O Botafogo lançou um agora no domingo no meio-campo [Lucas Zen]. O próprio Santos vem lançando uma série de atletas, mas eles dependem das oportunidades. Você vê o Fluminense, que contratou vários nomes de nível e montou um time para ser campeão, mas os jovens não estão tendo espaço. O Tartá, que ainda é novo, teve chance porque vários se contundiram. Mas nós muitos temos jovens bons. Tem aquele que era do Vasco e foi para a Inter de Milão [Phillipe Coutinho].
E a relação da imprensa com os jogadores?
Tem que ter muito cuidado. Se um cara é bom, tem capacidade, sabe que vai virar estrela, tem de estar preparado para isso. Temos mil exemplos de grandes jogadores q nunca deram problema, como o Kaká. Ou tem uma vida regrada ou vai fazer outra coisa. O cara sabe desde garoto que precisa tomar cuidado, a imprensa está em cima. Na nossa época não tinha isso, poucos cobriam o futebol. Hoje, infelizmente, tem aqueles que vão justamente para registrar um deslize.
O Brasil vai conseguir sediar a Copa de 2014 com sucesso?
Se fizerem tudo que é necessário, estádios, infraestrutura, aeroportos, hotéis e tudo que a Fifa exigue, lógico que sim, já que somos a terra do futebol.
Quais as chances de tudo acontecer como se deve?
Fico preocupado. O tempo está passando, a gente não ouve falar de Copa só agora, mas há uns dois anos e não se vê nada.Eu que viajo posso falar. Todo mundo fala em aeroportos, mas vou ao Galeão e em Cumbica e cadê as obras que tem que ser feitas? Os estádios também são problemas. Não ouço falar nada. Isso deveria ser mais noticiado. A demora para definir e começar a fazer as coisas me deixa preocupado. Copa é um evento especial, diferente. Se não tiver pronto quando precisar, eles tiram a Copa da daqui.
Você esteve recentemente no Catar, um dos candidatos à sede do Mundial de 2022. Gostou do que viu por lá?
Vi o seguinte: muito dinheiro e projetos para dez estádios. Cada coisa de cair o queixo. A grande vantagem deles é que há muito dinheiro. Não sei se vão levar, existe o problema do calor. Parece que você está em uma churrasqueira. Mas eles têm a grana e podem fazer estádios cobertos e com ar condicionado. Se a Fifa vai aceitar, não sei...
Por falar em Fifa, qual sua opinião sobre os escândalos divulgados recentemente?
É chato, né? Não posso me aprofundar porque às vezes colocam coisas que não é verdade, que não se tem certeza. Lamento que exista esse tipo de coisa. Isso afugenta os patrocinadores do esporte. Seria bom se acabassem com a corrupção.
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