Nove entre dez turistas desembarcam em Buenos Aires ávidos por transar o célebre bife de chorizo aquele naco incrível de carne macia, sangrenta, chargeado por uma gordura tentadora, comunhão capaz de explodir as papilas gustativas. Eu também, claro.
Porém, baseado em solo hermano por mais de um mês, participando da cobertura da Copa América, senti-me na obrigação de ir além e provar o legítimo churrasco argentino, a batizada parrilada, evento número 1 para se discutir futebol por aqui. Sim, porque o afamado filezão é somente um dos cortes alvicelestes.
O único enrosco foi já ter noção da modalidade gaudéria. Aqui o boi deita na grelha tanto no pessoal quanto no profissional se aproveita praticamente tudo. O rango invade a intimidade do mumu.
Mas eis que o colega Nícolas França descobriu a senha para o triunfo da missão gastronômica: "Melhor não saber exatamente o que vamos comer".
De fato. Foi tremendamente sagaz termos entrado de laranja na degustação dos enigmáticos riñones, chinchulines e morcillas. No entanto, aviso: não escapamos do efeito rebarba, quando traduzimos os quitutes pela internet no retorno à sede de Los Cardales.
A primeira iguaria nascida da grelha foi o riñones. Aparência simpática. No entanto, ao abocanhá-lo, o sabor não impressionou. Parece fígado e, como se intuía, é mesmo o rim. Transportando o veredicto para os gramados, lembra o futebol do Robinho: não é bom, nem ruim.
Na sequência, veio a morcilla, uma linguiça negra. Esfaqueada, ela revelou um creme vermelho intenso. O paladar não acusou estranheza. Bem diferente de quando descobri o ingrediente básico: sangue coagulado de porco. Ciente, fiz do acepipe roliço um Felipe Melo e afastei-o para sempre do meu menu.
Finalmente, pintaram os chinchulines, corte considerado "riquíssimo" pela garçonete Natália. Aspecto normalmente estranho, em formato de anel, torna-se quase bizarro se ladeado pelo vistoso e apoteótico bife de chorizo. Mordiscado, revelou-se um gosto cheio de personalidade, mas sem brilho algum, como o zagueiro Lúcio.
Porém qualquer análise se mostrou secundária ao nos depararmos com um artigo na página inicial de busca do termo no Google: "Coprofagia à argentina". Em outras palavras, o petisco de nome maroto nada mais é do que parte do intestino delgado do boi.
Diante da desagradável surpresa, decidimos nos aprofundar no assunto, de leve. Porém sem desvendar a questão-chave do preparo: se extrai o projeto de mierda do caninho? Possivelmente, embora nenhuma receita indique. Se bem que, a essa altura do campeonato, melhor deixar quieto.
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