A pré-estreia dos megaeventos esportivos no Brasil foi ofuscada pelos protestos em série no país. A mobilização das ruas impactou em cheio a Copa das Confederações. Exposição reduzida, negócios abortados, noticiário encolhido na mídia, imagem da Fifa em xeque, possíveis reflexos para a Copa de 2014 e questões sociais tão discutidas como as escalações ou esquemas táticos.
Nem o jogo deste sábado (22) entre os supercampeões mundiais Brasil e Itália, às 16 horas, em Salvador, passou imune. A própria realização do confronto entrou em pauta com os fortes rumores de um possível cancelamento do torneio por questões de segurança. Possibilidade prevista na Lei Geral da Copa, mas descartada.
Para esvaziar a importância do duelo, cotado anteriormente para ser o mais esperado da primeira fase, ambos estão classificados à semifinal. Assim o encontro entre Neymar e Balotelli, estrelas da competição, serve apenas como desvio de um possível embate precoce com a Espanha.
O receio da faceta violenta do movimento popular não atingiu apenas as seleções. Patrocinadores viram suas ações de marketing minguarem e chegaram a ter ingressos recusados por convidados preocupados com os protestos.
Usar marcas ligadas à Fifa é quase um risco. Carros com adesivos da competição foram alvos de pedradas em Salvador. Convidados revelaram terem se sentido intimidados ao vestirem artigos promocionais perto das Arenas.
No Castelão, por exemplo, o esquema de segurança montado no jogo entre Brasil e México fez com que grupos VIPs tivessem de andar 3 km para chegar ao estádio, em diversos momentos passando perto de manifestantes.
Situação que levou as empresas, que jorram dinheiro no evento, a cobrar da entidade máxima do futebol um posicionamento mais efetivo das autoridades brasileiras. Enquanto isso, contrataram pessoal extra para cuidar da segurança e até serviço de inteligência para descobrir a melhor e mais segura logística de deslocamento.
Os patrocinadores teriam ouvido da Fifa promessa de possível antecipação de horários de abertura dos portões dos estádios para facilitar os translados de convidados e VIPs.
Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a insatisfação com os gastos públicos com a Copa, que ganhou destaque entre os manifestantes, respingou na Fifa.
"O Brasil ser malvisto na comunidade internacional não é o principal dano. Já para a Fifa, os protestos passam uma imagem horrível, e para os patrocinadores, da mesma maneira. É difícil imaginar que haja um ufanismo muito grande com uma vitória da seleção no campo esportivo, já que a maior parte da população não vai perder seu senso crítico agora", analisou o consultor Fernando Pinto Ferreira, economista, especialista em gestão do marketing e do esporte da Pluri Consultoria.
Segundo ele, a culpa é da Fifa e da forma como ela se posiciona. "Chegou-se a afirmar que o excesso de democracia atrapalha a organização da Copa [frase do Secretário-Geral, Jérôme Vâlcke]. E com certeza tudo isso agora vai obrigar a entidade a rever sua posição no futuro. Ou ela revê, ou a Copa só vai começar a visitar países onde a democracia é fraca e a população não é chamada para decidir as coisas [em 2018 a Copa será na Rússia; em 2022, no Catar]", completou.
Para Fred Lucio, antropólogo e professor da ESPM, os reflexos devem impactar também a Copa do Mundo. "Nessa efervescência de protestos, alguns torcedores estrangeiros podem deixar de vir [ao Brasil]. Jornais estrangeiros, como o Le Monde [França] estão dando espaço de exposição para os protestos no Brasil. Por isso, uma possível diminuição de torcedores de fora depende da leitura que eles fizerem do contexto todo", comentou.
Ontem à noite, o técnico Luiz Felipe Scolari foi questionado por um repórter italiano sobre a situação. "As pessoas que estão no governo também imaginam isso. Eles também pensam desta forma. Às vezes, as coisas não evoluem. Queremos isso e vamos trabalhar juntos para mudar em um, dois, cinco ou dez anos. As coisas não vão mudar em um dia", afirmou o treinador.