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Vivi um paradoxo singular. Fui ao assistir à festa maravilhosa que os chineses organizaram para a Abertura dos Jogos Olímpicos. A cada cena que me remetia a períodos históricos da China, vinha à minha mente a tristeza que senti e me fez chorar, ficar em estado de comoção. No dia 4 de junho de l989, um jovem estudante de 19 anos de idade, sem nenhum movimento físico e sem qualquer objeto que pudesse representar uma arma, parou um tanque de guerra na Praça da Paz Celestial. Parou literalmente, colocando-se à frente de uma arma poderosa e letal. Seu nome parece ser Wang, segundo os pesquisadores e jornalistas que cobriram a manifestação de chineses revoltados com a corrupção, com o desemprego, com a inflação e a dolorosa repressão. Como no mundo comunista as informações são filtradas pelos órgãos de segurança, não se sabe, ao certo, quantos chineses foram mortos. Estimam os analistas de guerra que ao menos três mil manifestantes perderam a vida, esmagados pelo poderio militar, sem o direito de protestar por reformas estruturais.

Que tragédia viver sem liberdade. Ter a palavra asfixiada pela força de tanques, metralhadoras e outras armas pesadas. Até hoje muitos estão presos.

O estudante, de 19 anos à época, estará vivo? Confinado em uma cela para o resto da vida? Morto, assassinado pelos repressores?

Perguntas sem respostas. Impossível acreditar em versões espalhadas pelos órgãos de comunicação e de segurança de um povo sem liberdade.

Passados tantos anos, a China só mudou o crescimento econômico, mas, politicamente, continua rude e implacável com os que querem respirar e trabalhar em liberdade.

Lembro-me de quando estive na Romênia, então o mais ortodoxo país comunista da finada União Soviética. Fazia o meu trabalho e era acompanhado por uma espiã chamada Alma. Solícita, mas com olhos e ouvidos abertos o tempo todo para saber o que era dito sobre a Romênia. Situação chocante que me causou profunda angústia. Ao descer no aeroporto de Bucareste, fui avisado que trocar moeda nas ruas era crime sujeito a prisão. Os jovens estudantes pagavam muito mais pelo dólar do que os bancos estatais. Era o preço para juntar dinheiro e cair fora.

Não é possível sentir a beleza produzida pelo poder econômico e pelo talento de homens e mulheres treinados por tanto tempo, se a nossa memória guarda viva a imagem que os milhares de dias que já passaram não conseguem apagar.

Provavelmente lembrarei da festa olímpica por algum tempo, mas, com certeza, não esquecerei jamais o estudante que parou um tanque de guerra com o seu corpo franzino e muito amor à liberdade. Wang (será mesmo este o seu nome?) é um exemplo para a Humanidade. Sozinho, você mostrou ao mundo do que é capaz quem procura a liberdade e a paz.

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