• Carregando...

Sou ave noturna de domésticos hábitos, amo a solidão e o silêncio que antecedem "à madrugadora aurora de róseos dedos": a cidade dorme, dormem os cães, os gatos, os galos, seus donos; dormem – oh! bálsamo! – os fatais vizinhos. Sozinho, olho pros irremediáveis pés com melancolia até o salvador soar do gongo.

- Está dormindo, velho? (Sou um velho?! Enfim? Já?)

É o Cláudio Loureiro. Edição passada a limpo do Al Pacino jovem, voz do Brando em don Corleone. Claudinho odeia preâmbulos:

- Quais os últimos avantes ídolos do coxa?

Acordado, fiquei a mil; deixei a criança tocar no chão antes de pegá-la de esquerda (com a direita seria fácil, covardia) e acertar a mosca três vezes, como nos tiros ao alvo das festas de Igreja no Irati da adolescência.

Fiz 36 pontos! Ganhei tudo. E tudo distribuí entre os pobres porque sou filho da dona Mathilde. Que repetia, ensinava: dê pra alguém mais pobre.

- Os últimos três avantes ídolos do coxa foram: Krüger, Abatia, Zé Roberto.

Cláudio aplaudiu, emendou:

- Não acha que o coxa tem de explorar seu novo mr.K, Keirrison? Não acha que está na hora de explorar a coincidência? Krüger, Kreisson... Parece dinastia

- Claro, respondi. E ele decretou à Corleone:

- Então, pense, escreva a respeito. Tchau, velho. E desligou. (Sou um velho?! Já?! Enfim?!)

Não voltei à melancólica observação dos irremediáveis pés; liguei o micro: é isso aí.

Paixão do Luiz Geraldo Mazza, que o cantou em prosa, verso, papo, Krüger, "flexa loira", foi craque, nos encantou com seus dribles, seus cortes, sua coorte de recursos, manhas, artes, de artimanhas.

Uma tarde, na velha vila Capanema, estávamos Mazza e eu postos em sossego na falecida concha acústica, dois solitários coxas atrás do gol dos fundos, eis senão quando Krüger é lançado pela esquerda, bate um adversário na

velocidade, chega na bola antes do Fernando Knapp na cobertura; corte justo com a esquerda faz o becão passar como miúra, como miúra voltar pra levar outro cirúrgico corte, agora com a destra, seguido do terceiro, do último, do letal corte com a sinistra. E madeira.

Bola no pé, cabeça levantada, o loiro herói partiu pro Antenor, companheiro de infortúnio do Fernando. Flexa trocou de pé e pra esquerda deu ligeira queda de corpo; Antenor entrou. E levou incisão que o deixou de costas pro campo, de frente pro Mazza e pra mim.

Caminho aberto, Krüger invadiu a área e na saída do Paulista completou a obra mestra depois de driblá-lo. Foi um momento de eternidade que o Mazza e eu sempre comemoramos. Aleluia.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]