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Quando assisto a documentários e vejo a beleza dos animais, muitos deles com incrível doçura instintiva – por exemplo, uma fêmea de espécie diferente amamentando o filhote de outra –, fico em dúvida sobre o grau de evolução dos chamados seres racionais. O que se pode esperar dessa espécie, cujo ego infla na "conquista", seja quais forem os meios? Nada. Justo, então, pelo egoísmo que cresce a cada instante, é que realça o valor e a dignidade de pessoas especiais. Bellini foi um deles.

Entre tantas posições éticas tomadas, Bellini subiu e eternizou-se no pódio do caráter humano. Foi em 1962. A meu juízo, mais importante até do que o gesto cristalizado ao erguer a Jules Rimet, em 1958. Sua postura de rara grandeza aconteceu às vésperas do Mundial do Chile. O treinador Aymoré Moreira pensou em manter os mesmos titulares da final de Estocolmo. A exceção seria Orlando, que vendido ao Boca Juniors, não foi convocado – na época, ao contrário de hoje, quem jogava fora do Brasil não era chamado. Mauro, reserva de Bellini na Suécia, disse ao treinador que aquela seria sua última Copa, estava bem, e se não fosse titular preferia voltar ao Brasil. O treinador deu um tempo para pensar, chamou os dois zagueiros e foi direto: "Era isso que eu queria ouvir, Mauro. Você será titular e capitão do time". Bellini agradeceu a transparência do técnico e ainda reforçou: "Mauro, o teu momento é melhor do que o meu. Vamos ganhar o bi". Até o dia da morte de Mauro, em 2002, os dois de tornariam amigos fraternos e inseparáveis.

Atitudes como a de Bellini são preciosas. Chico Buarque teve uma posição parecida no final do II Festival da MPB, quando o júri daria o primeiro lugar para A Banda, ficando Disparada, de Geraldo Vandré, em segundo. Chico interferiu antes da divulgação pública e disse aos jurados que não aceitava o primeiro lugar, pois Disparada era muito melhor do que A Banda. Os jurados anunciaram as duas como vencedoras.

A força real do homem, a sua grandeza, consiste em ser ponte, não fim. Bellini foi de uma geração onde os valores materiais, a vaidade, o marketing pessoal não ganhavam espaço sobre questões mais nobres, como a moral e a ética. Assim como foi Jofre Cabral e Silva, que o trouxe para o Atlético.

Muito gratificante para mim foi acompanhá-lo no Atlético, e tê-lo visto jogar pelo São Paulo, Vasco e seleção. Como gratificante foi saber que Bellini – meu antigo vizinho ali da Praça Santos Andrade –, já cinquentão e morando em São Paulo, havia voltado aos estudos, formando-se em Direito. Bellini, mesmo aprovado pela OAB, não exerceu a advocacia, mas criou o direito de impor, dentro e fora do campo, os valores mais sagrados do ser humano em evolução. Essa grandeza é o maior legado que nos deixa o saudoso capitão.

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