Ao longo da história, e antes do massacre alemão no ano passado, a seleção brasileira petrificou o nome de três jogadores estrangeiros, rotulados como “carrascos” do nosso futebol: Paolo Rossi, Zidane e Ghiggia. Nas Copas da Espanha e da França, estive ao lado do cadafalso, vendo de perto Rossi e “Zizu” guilhotinarem a seleção. Apesar do profissionalismo, é difícil absorver grandes decepções a olho nu. Pior, porém, foi ouvir durante meio século histórias cheias de meias verdades, como aquelas que envolvem a final da Copa de 1950.

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Estive em Montevidéu algumas vezes, mas somente em março de 2000, quando o Atlético jogou (e venceu) o Nacional, pela Libertadores, é que consegui uma fonte confiável para saber algumas verdades sobre a tragédia de 16 de julho de 1950, vindas do lado adversário, o Uruguai.

Procurei Eduardo Piñon, subeditor de esportes do jornal El País, para saber o paradeiro de Ghiggia e Schiafino, os dois uruguaios que fizeram os gols daquela final, e maiores ídolos da Celeste, ao lado de Obdúlio Varela, que já havia falecido.

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Alcides Ghiggia, disse-me Piñon, estava em Piriápolis, a 100 km da capital. Além do tempo, seria necessário falar com o filho dele, Arcádio Ghiggia, que agendava dia, horário e cachê para a entrevista – o ex-jogador cobrava de jornalistas estrangeiros. Fui então à casa de Schiaffino, o craque maior daquela seleção uruguaia, no bairro de Carrasco. Aliás, em Montevidéu, tudo leva o nome de carrasco – hotel, praia, aeroporto, cassino...

Queria saber o possível sobre aquela partida enigmática. Juan Alberto, como era tratado pela esposa, disse entre outras coisas que no gol de empate pegou mal na bola e, por isso, sem querer, enganou Barbosa. E que Júlio Perez, o número 8, reclamou logo depois do segundo gol “porque ele estava mais bem colocado para chutar...” Depois Schiaffino contou-me sobre o temperamento do amigo, uma espécie de bad boy da época.

“Falam mentiras sobre Ghiggia. Inclusive que ele teria vendido a medalha de campeão do mundo para construir sua casa. Ora, os dirigentes da época cunharam medalhas de ouro para eles mesmos e de prata para os jogadores. Ghiggia reuniu todos nós campeões mundiais, e decidimos não aceitar a ‘esmola ‘ que seria entregue na sede da AUF”, disse-me Schiaffino.

Eu não consegui falar pessoalmente com Ghiggia, porém esmiucei com Juan Alberto, e alguns colegas do jornal El País, tudo sobre aquela final. Para mim, foi a mais preciosa coleta esportiva nesses tempos todos. Tempos em que a paixão e a compaixão ainda rolavam dentro de campo.

As expressões da vida são incríveis: Ghiggia morreu num 16 de julho, dia em que, 65 anos antes, cicatrizou seu próprio nome na história do futebol mundial.

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