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Acho muito engraçado este calendário olímpico, que abre os Jogos antes da cerimônia oficial. Parece festa de criança, onde o irmãozinho do aniversariante come uma fatia do bolo antes de apagar as velas e cantar "parabéns". As partidas de futebol feminino começam amanhã (a festa de abertura será na sexta) e nós viemos para Shenyang, depois de quatro horas de trem desde Pequim.

Shenyang é uma cidade abafada, com ar atmosférico pesado, dando uma impressão de purgatório. Não me lembro ter passado por este lugar, mas acho que é mais ou menos por aí. Os olhos ardem e a poluição estava tão forte que, ontem, no treino de reconhecimento do estádio, era difícil distinguir as nossas paranaenses Simone (loira) de Renata Costa (morena).

Mas uma coisa é boa: a paz dos sexos está sendo vivenciada em Shenyang, onde masculino e feminino se juntaram. Todo mundo dorme sob o mesmo teto, em diferentes andares. Este fato é ao mesmo tempo coincidente e pitoresco, e foi o comitê organizador quem abrigou as seleções num só hotel. Como ninguém é de ferro, até os policiais chineses, durinhos como uma estátua, acabam dando sua espiadela diante do frisson causado por Marta e Ronaldinho.

As duas seleções ficaram algumas vezes próximas do primeiro lugar. Não sei se a graça virá agora, mas as mulheres, principalmente elas, merecem. Essas meninas comeram o pão que o diabo amassou, ganharam a medalha de prata na última Olimpíada, e mantêm dez jogadoras de Atenas na atual seleção. Uma vitória amanhã, contra a Alemanha, mais do que revanche pela derrota na final do ano passado, aqui mesmo na China, é importante para restabelecer a confiança, depois da perda de Aline, capitã e líder do time.

Ganhar medalha, para atleta de qualquer modalidade, seja individual ou coletivo, é uma conquista pessoal. É diferente de troféu ou de taça, como acontece com títulos conquistados. A taça vai para as prateleiras vulneráveis da CBF, onde os ladrões entram, levam e derretem o ouro para vender, como fizeram com a Jules Rimet. A medalha, não. A medalha fica guardada no fundo do peito e, para roubá-la, somente arrancando o coração do vencedor.

Este é o bicho real pela conquista. Por isso, não tenho tanta certeza na conquista do vôlei masculino. Cresceu muito o profissionalismo e o foco está um pouco embaçado.

No futebol feminino não me parece ser assim. Como a CBF nunca foi transparente neste quesito, as moças foram induzidas a ganhar para depois dar o troco a quem de direito. Ontem, o técnico Jorge Barcelos falava sobre a amizade dele com as jogadoras. Também entendo que é interessante formar a tal "família", criada por Scolari na Copa de 2002. Há, porém, que se ter cuidado com a qualidade de energia transmitida. Zagalo, por exemplo, sentadinho ao lado de Parreira na última Copa, passava uma carga emocional negativa para dentro de campo. Assim como Bernardinho, talvez passando por uma crise existencial de momento, tem deixado o emocional atrapalhar a técnica maravilhosa dos quase imbatíveis rapazes do vôlei. Quando o nível técnico é altíssimo, como numa Olimpíada, há que se ter nervos de aço para fazer a diferença.

edson@edsonmilitao.com.br

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