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Fiz meu curso primário no Grupo Mercês, pertinho de casa, na Manoel Ribas com a Jacarezinho. Naquela saudosa década de cinqüenta, as aulas de Educação Física eram improvisadas pela mesma professora do ensino geral, e se restringiam a brincadeiras sem a menor graça. A motivação única para não gazear a ginástica – termo usado na época – era a chance que tínhamos de olhar para as pernas das meninas, que usavam calções fofos com elástico nas coxas, mais parecendo uma abóbora gigante.

Mas o corpo humano, já naquela época, era sábio e pedia instintivamente uma tarefa física além da escola, pois tínhamos o resto do dia para inventar qualquer atividade. A criatividade ia do futebol com bola de meia até as corridas com sacos de estopa, que faziam parte de nossas "olimpíadas" diárias. Era normal a piazada voltar para a casa somente à noitinha, quando a exaustão tomava conta de nosso "poderoso" corpo, que aí sim, já no seu limite, entregava os pontos.

Hoje, distante dos anos dourados, lendo, vendo e respirando todo o tipo de disputa esportiva aqui na China, cada vez mais me encanta esta máquina incrível que é o corpo humano. Se por fora somos diferentes uns dos outros, seja pela cor da pele, pela altura ou pelo peso, internamente somos todos iguais. E como nascemos sem um manual de instrução, como aqueles que acompanham carros ou aparelhos eletrônicos, só nos resta conhecer profundamente essa máquina, explorando e respeitando seus limites.

É claro que o uso científico para aperfeiçoar o rendimento do atleta é necessário. Em muitos casos, porém, não se medem as conseqüências para o corpo, desde que se vença, só para contrariar a frase de um bispo de Londres, que antes dos primeiros Jogos da Era Moderna disse que "o importante não é vencer, é competir".

São centenas de ossos, quilômetros de veias, articulações, ligamentos, tendões e, principalmente, músculos, responsáveis pelos movimentos, que simplesmente travam quando o atleta chega ao limite do esforço físico. É ao mesmo tempo fantástico e tenso observar este momento incrível da máquina anatômica em busca da superação, como foi o caso da suíça Gabrielle Andersen nos Jogos de 84, em Los Angeles, quando cruzou a linha cambaleando e em seguida desmaiou.

Esta Olimpíada é o maior evento que a China já abrigou na sua história. A estrutura é quase impecável, mas o calor e a poluição do ar são preocupantes, mesmo para os superatletas. Ontem, começaram as competições, e não houve nenhum problema acentuado. Mas o rendimento dos grandes astros, como o gigante chinês Yao Ming, Michael Phelps, Rafael Nadal, Kobe Bryant, Marta a maratonista Wang Hao, será medidos na continuidade, principalmente para quem compete ao ar livre. Será um grande teste para a superação, sem danos maiores.

Mas, no fundo, não sei se tenho mais pena deles, atletas, ou de nós, simples mortais. Enquanto a freqüência respiratória de um atleta é de oito a nove, a nossa, cansados, chega a trinta sem a prática de esporte.

Serve de consolo o fato de você, ao ler esta coluna, já estar queimando algumas calorias. Se estender para o caderno todo, mais ainda. E se, em uma hora, você ler a Gazeta do Povo deste domingo, terá queimado 126 calorias, o suficiente para começar um preparo para competir em 2012, na Olimpíada de Londres. E sem atingir o limite da resistência do seu corpo.

edson@edsonmilitao.com.br

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