Mais do que uruguaio, o jornalista Eduardo Galeano, morto em 2015, era cidadão por um mundo justo, encantador e alegre. Galeano foi um dos escritores mais incríveis que tive o prazer de, além de leitor, trocar ao menos um aperto de mão. Se vivo estivesse sairia feliz do Estádio Centenário na quinta-feira, depois da apresentação quase utópica da seleção brasileira.
“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”, disse certa vez.
Pois os passos do autor de As veias abertas da América Latina, e que adorava o futebol enquanto arte – na infância queria ser jogador – teria alcançado a utopia do seu horizonte quando Neymar encobre Martín Silva com naturalidade, graça e elegância, e faz aquele gol no melhor estilo gótico.
O Brasil está na Copa da Rússia. Tite resgatou a alegria com lampejos de arte. A seleção tem jogado bem dentro e fora de casa. Dani Alves, Marcelo, Neymar e Coutinho esbanjam habilidade, mas todos os demais são técnicos. Assim como os reservas. É uma seleção concentrada, tranquila e leve.
Copa, porém, é diferente de Eliminatórias. A fase mata-mata é cruel. O melhor pode perder tudo numa só partida infeliz. Fosse por pontos corridos e o Brasil teria ganhado os mundiais de 1950 e 1982, a Hungria em 1954 e a Holanda em 1974.
Tite, com os mesmo jogadores de Dunga, deu vida à seleção. É outra escola, com outro método, e com os mesmos alunos. Como se tirassem as crianças da rigidez de um internato, para a pedagogia de Rudolf Steiner. Tite, como Steiner, encoraja a criatividade, nutre a imaginação dos mesmos jogadores oriundos da chibata de Dunga. Há liberdade, sem risco de um desrespeitar o outro. Tudo isso com responsabilidade.
Enfim, sete vitórias seguidas e com rendimento técnico inquestionável. A seleção de Tite lembra as passagens de Saldanha (vencedor pelas mãos de Zagallo) e de Telê (perdedor pelos pés e cabeça de Paolo Rossi). Resgata a descontração e o talento dos jogadores.
Penso que pode melhorar. Alisson é bom, mas Weverton é mais participativo. Um beque ao estilo Desailly ou Boateng, por exemplo, daria upgrade na saída da defesa com mais autoridade. Setor onde Marquinhos e Miranda defendem com rara eficiência, diga-se. E um segundo ‘fora de série’ para jogar com ou eventualmente sem Neymar. Pode vir a ser Gabriel Jesus. Aí dá para acreditar de fato no hexa.
Outra coisa é o ‘time’. O pico de evolução deve ocorrer em meados de 2018. Tite é hoje unanimidade. Mas precisa ficar atento a si mesmo. Sem empolgação. Vigilante. Contendo o verbal algumas vezes excessivo.
A possibilidade utópica do futebol alegre e criativo voltar a vencer o pragmatismo, tem tudo para se tornar real graças à inteligência de Tite. O que seria saudável para o saudoso Galeano. E para o esporte como um todo.
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