Quando houve o sorteio que classificou o Brasil para a Copa da Suécia (58), lembro-me que não havia expectativa alguma. Nosso adversário foi o Peru (se­­riam dois, mas a Venezuela de­­sistiu), como poderia ter sido outro qualquer. Nem o rádio transmitiu. Soube-se apenas no dia seguinte pelos jornais e na outra semana com ilustrações na Manchete Esportiva.

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Depois da classificação – 1x1 em Lima e 1x0 no Maracan㠖 criou-se certa expectativa para saber quais os três adversários da primeira fase da Copa em si. Aí sim o rádio transmitiu o sorteio, e pela primeira vez ouvi falar em grupo da morte: o Brasil enfrentaria a Áustria, Inglaterra e União Soviética. Começou então aquela que seria a nossa primeira conquista da Jules Rimet, sem nenhum deslumbre fora do campo de jogo. Nele sim, gols antológicos de Pelé e Didi, e shows inesquecíveis de Garrincha.

Hoje, às 15 horas, um espetáculo hollywoodiano está sendo preparado no Rio para sortear grupos de mais de duzentas seleções que irão disputar, ao longo de dois anos e pouco, 31 vagas para a Copa do Brasil. Criou-se uma indústria do entretenimento para girar as bolinhas. Em­­presários, produtores, celebridades, enfim um show biz envolvendo milhões de dólares para um sorteio de grupos pré-classificatórios.

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Não sou ranzinza e muito menos crítico radical, a ponto de não entender o glamour que se oferece para determinadas ocasiões. Há que se ter glamour sim, mas na essência. O glamour está no som que vem da bateria de uma escola de samba, e não nos suntuosos carros alegóricos. O glamour está no sorriso de uma criança, não na roupinha de grife que a titia comprou. O glamour está no gol que Pelé fez contra País de Gales, na Copa da Suécia. Ou na obra-prima de Neymar dia desses contra o Flamengo.

O encantamento de determinados shows, a qualidade técnica excitante e extraordinária, mascara. Faz com que certas pessoas ou coisas pareçam mais do que são. Atraem. Enfeitiçam. Confundem. O futebol, e em es­­pecial a Copa do Mundo, está abusando, sem necessidade, do artificial. Muita solenidade, solenidades tantas que inibem a essência que está no talento, na arte e na irreverência do jogador.

Protocolo à parte, a solenidade de hoje no Rio é uma espécie de subserviência. O presidente da Fifa, por exemplo, recebeu a chave da cidade do Rio de Ja­­neiro. Faz parte do cerimonial, dizem. Enquanto isso, aquele jogador que fez o gol contra o Peru nas eliminatórias de 1957, e que abriu o caminho para o primeiro título mundial do Brasil, não deve ter sido lembrado por ninguém. Índio, seu apelido, tem hoje 80 anos e mora na Pavuna, subúrbio do Rio.

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