Em julho de 2001, estávamos na Colômbia cobrindo a Copa América pela Gazeta do Povo, quando o time de Felipão foi eliminado por Honduras e voltou para casa. Ato contínuo, a direção do jornal pautou uma reportagem sobre as Farc, o que justificaria nossa estada por mais alguns dias no país. O futebol perdera o interesse depois da precoce e humilhante derrota brasileira.
Sendo o responsável logístico para aquele evento, arquitetei nossa via-crúcis pelas entranhas da selva, depois de receber a autorização da cidadezinha de San Vicente del Caguán, considerada zona de distensão durante o processo de paz, e entrevistamos Raúl Reyes, segundo homem na hierarquia do grupo guerrilheiro.
Reyes, que foi morto em 2007, deu a sua versão a do governo todo mundo já sabia para a luta armada que as Farc adotam até hoje. O comandante nos deixou à vontade para fotografá-lo e livre para quaisquer questionamentos. Perguntei-lhe quem poderia intermediar o processo de paz, conciliando as correntes antagônicas da Colômbia. Respondeu-me de pronto: "Meu amigo Gabo [apelido do escritor Gabriel García Márquez]".
No clássico 100 anos de solidão, que rendeu a ele o Nobel da Literatura, Márquez retrata o poder e a exploração do antigo coronelismo, o que justifica, segundo Reyes, o surgimento das Farc como única saída contra a tirania da época. Garcia Márquez era flexível e respeitado pelos conservadores. Soube depois que ele não teve êxito na conciliação, por causa do sequestro da senadora Ingrid Bettancourt, voltando a estremecer o relacionamento entre as partes.
No meu caso, foi uma experiência jornalística extracampo bem interessante. Ontem, com a morte do escritor, considerado o colombiano mais ilustre de todos os tempos, busquei a paixão dele pelo futebol. Na sua primeira ida a um estádio, escreveu: "Uma das condições essenciais do torcedor é a da perda absoluta do senso do ridículo". Como jornalista, acompanhou a estreia de uma lenda do futebol brasileiro, Heleno de Freitas, contratado em 1950 pelo Junior Barranquilla, seu clube de coração. "O dr. De Freitas escreveu Gabo redigiu com os pés memoriais e sentenças judiciais não apenas em português e espanhol alternadamente, mas também citações de Justiniano no mais puro latim clássico", escreveu. O time do dr. De Freitas ganhou do Milionários, do argentino Di Stéfano, por 2 a 1.
No belíssimo filme, O amor nos tempos de cólera, baseado no livro preferido do autor, lembro-me do apaixonado Florentino, que espera 50 anos para reencontrar o grande amor de sua vida, a bela Fermina. E consegue.
Neste sábado que antecede a Páscoa, e inspirado no imortal escritor colombiano, uso as palavras do próprio mestre: "Não chore porque acabou, sorria porque aconteceu". Aleluia!
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