Acaba amanhã outra me­­díocre Copa América. Sim, medíocre no aspecto técnico. O dinheiro, claro, foi bom para poucos. Mas existe o lado doce da coisa. Como a história do monge que via em tudo somente o lado positivo. Cansados de conviver com otimismo do mestre, os discípulos resolveram aprontar-lhe uma. Ao encontrar um cachorro em estado de putrefação, chamaram o mestre para o desafio. On­­de é – pensaram eles – que poderia encontrar algo sublime naquela carniça imunda e fedorenta? Jamais! – acreditavam. Lá chegando, para espanto dos discípulos, o mestre sorriu e disse: "Que belos dentes teve este cão!"

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Bem, por aqui, encontro nos emergentes (Venezuela e Paraguai, em especial), "os belos dentes do cão". Todos queriam uma final Argentina e Brasil. Seria algo parecido com as disputas olímpicas du­­rante a Guerra Fria. Protago­­nis­­tas, americanos e soviéticos fa­­ziam a festa ao lado dos figurantes. Um mundo de medalhas no pescoço dos dois gigantes do esporte. Não sobrava para ninguém.

Aos poucos, esfacelada depois da queda do muro de um, e agora com o curto-circuito na economia do outro, o poder de fogo – não só no esporte – dá uma equilibrada no processo. Crescem aqueles que se apequenavam. Na Copa Améri-ca da Argentina, os emergentes surgiram. O vinho tinto saiu da adega de Hugo Chávez. O Peru encarou. O Paraguai, bem ou mal, decide o título. O Uruguai renasce.

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Olha, confesso que nesta ponte aérea dos últimos dois meses, de Curitiba para Buenos Aires, o que mais me fascina é a transformação. E, creiam, não é para pior. A ferida que se mexe dói. Mas quem mexe busca a cura. O causador do dano não se expõe. Esconde-se. Estamos num processo de implosão na América Latina. Há que se espalhar sal grosso numa terra arada por alianças malditas. Apesar de tudo, estamos adubando com melhor qualidade. A terra é fértil.

Os espanhóis saquearam nosso ouro e nossa prata. Agora o futebol deles busca nossas joias e nossas pulgas. Mas a vida é um processo em constante renovação. Assim é em todos os segmentos. No futebol não poderia ser diferente. A roda gira. Gira o mundo. Como diria minha mãe, "que Bra­­sil e Argen-tina sosseguem o pito". O pão deve ser repartido. As taças de vi­­nho compartilhadas. Democracia num sentido lato. Amplo. Holístico.

Torço para que amanhã haja empate, prorrogação e pênaltis. E novo empate na primeira série. E depois, uma infinita igualdade nas cobranças alternadas. Que avance noite a fora. Que adentre a madrugada. E que na manhã seguinte, Leóz acorde Blatter pedindo socorro. E que o suíço, ainda de pijamas, responda: "O Havelange me falou que certa vez, no Paraná, a federação local deu um título para dois – Colorado e Cascavel. Façam o mesmo". E, plagiando inadequadamente a historinha, devemos olhar os belos dentes do cão.

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