Quando uma tragédia acontece costuma-se dizer que será um dia para nunca mais ser lembrado. Penso, por outro lado, que algumas vezes devemos até mesmo cultuá-los, para que a dor fique na consciência até ser transformada.
Tivemos no meio da semana uma quarta-feira de cinzas. No começo da tarde, em São Paulo, um acidente matou dois trabalhadores nas obras de construção do estádio previsto para abrir a Copa. Horas depois, no Rio de Janeiro, os deuses da bola convocaram Nilton Santos o maior lateral-esquerdo do futebol mundial em todos os tempos , que transcendeu. No final da noite, morria o sonho do Atlético de ganhar um título nacional no Maracanã.
São fatos e dores diferentes. Nilton Santos estava com 88 anos e sofria de Alzheimer. O maior sofrimento que teve foi a CBF (Ricardo Teixeira) ter recusado adquirir o acervo de sua valiosa carreira. Alegação: falta de dinheiro... A aposentadoria de Nilton Santos rendia-lhe cerca de 2 mil reais.
Não haverá dinheiro no mundo que pague a dor dos familiares e amigos pelas mortes estúpidas de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos no Itaquerão. Já estão esquecidos pelos patrões que deram os pêsames nos velórios. Protocolar. Hoje a preocupação está no prazo de entrega do estádio. Que esses dois mártires, ao menos, sejam ícones para a vergonhosa falta de segurança dada aos operários.
O golpe do Atlético é mais fácil de absorver, até porque não foi uma tragédia. A Libertadores, através do Brasileirão, torna-se uma questão de honra.
Feliz, ou infelizmente, sempre haverá dores e derrotas pedagógicas.
Iluminado
Tenho as mais doces lembranças de Nilton Santos. A primeira vez que o vi jogar foi na inauguração dos refletores da Vila Capanema. Depois, pela seleção, numa goleada sobre o Paraguai no Maracanã (6 a 0). Era uma sinfônica de futebol, com 11 artistas espetaculares: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Zózimo, Nilton Santos, Didi, Zito, Garrincha, Coutinho, Pelé e Pepe. Neste show, Nilton Santos fez um dos três gols de sua carreira com a camisa do Brasil. Senhores, eu vi!
Em 1998, a "Enciclopédia" veio a Curitiba para o lançamento do seu livro, Minha bola, minha vida. Fui escalado para levá-lo ao programa Cartão Verde (mesa-redonda da Cultura) conectado à nossa TV Educativa. Nilton, que estava com sua esposa, Maria Coeli, contou histórias que sempre tive a curiosidade de ouvir. Sendo direto do protagonista, melhor ainda. A mesa-redonda com Juca Kfouri e Flávio Prado nos estúdios de São Paulo, foi ótima. Acabei recebendo um presente valioso do ídolo: seu livro com uma singela dedicatória.
Nilton Santos disse uma coisa marcante: "Joguei 729 partidas apenas pelo Botafogo e nunca precisei beijar a camisa para demonstrar meu amor pelo clube".
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