Bastou o turco Kazim fazer o gol da vitória do Coritiba no clássico de quarta-feira, para a torcida buscar nele o elo que há muito não existe entre jogador e clube. E que não é apenas do Coritiba, e sim do futebol e de outros segmentos da sociedade brasileira como um todo. Somos órfãos, e estamos carentes de líderes.
No campo de jogo a crise técnica pede ao menos uma relação de identidade do atleta com o torcedor. Mas que não seja aquela coisa piegas de beijar o símbolo do clube, uma paixão de mentirinha. Que venha de uma atitude espontânea e verdadeira.
Hoje não há mais identidade. Alguém, por mais fanático que seja, consegue decorar, por acaso, a escalação do seu time? A própria seleção brasileira é uma colcha de retalhos. Lembro quando João Saldanha assumiu como técnico um ano antes da Copa de 70. Na primeira entrevista coletiva, relacionou os 22 jogadores, e logo escalou os titulares. Dunga, por outro lado, convocou mais de 60 num espaço de dois anos.
Somado a isso, existe uma febre de nomes bíblicos e compostos, para dificultar ainda mais a nossa memória. De Thiago a Mateus, passando por Marcos a Lucas, são dezenas espalhados por aí. Exceção a um Gabriel Jesus, e nenhum Judas...
O nosso futebol patenteou diminutivos made in Brasil (Zizinho, Miltinho, Ronaldinho), e apelidos curtos (Didi, Zito, Vavá, Pelé, Zico, Kaká) que encantavam público e mídia de fora. Perdemos a qualidade do produto e jogamos no lixo a marca registrada.
No campo, quando não há carisma individual, a formação de uma dupla pode criar enorme vínculo. Caso de Krüger e Kosilek, Paquito e Abatiá, Saulo e Adoílson, Washington e Assis. Sendo individual, porém, cristaliza. Fedato e Afinho, lá atrás. Ou Paulo Baier, mais recente.
Carisma, enfim, é coisa inata e faz parte da personalidade do ser humano. É uma capacidade associada ao êxito. O carismático exerce o poder. Lidera. A identidade é coisa única, distinta e completa. Vivemos uma crise dela. E que é decorrente, talvez, do processo de mudanças nas sociedades modernas. A modernidade fragmenta a identidade.
Voltando ao futebol, o carisma do jogador vem de dentro do campo como se fosse eco. Reverbera. Atinge as arquibancadas. Até a Islândia, no coletivo, transmite essa força que não existe nos clubes e na seleção brasileira. Sequer ao lado da linha lateral, na postura que vemos dos treinadores. Ora passiva; ora extravagante. Poucas vezes sóbria.
Por isso o turco Kazim ganhou espaço até nos jornais da Europa depois do gol decisivo no clássico. Não pelas tatuagens. Tampouco pelo perfil cosmopolita. Menos ainda pelo sotaque engraçado. Kazim apenas entrou no vácuo – sorte dele, e sorte para ele – desse balcão de negócios que se instalou no futebol local. Hoje identificado com o nada.
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