Nada é bastante para quem considera pouco o suficiente. Atravessamos um momento complicado no futebol brasileiro. De um lado o lucro embriagador de alguns e de outro o consumo voraz de muitos. A galinha dos ovos de ouro está sendo depenada. A constância de jogos ao vivo e pela televisão periga banalizar o produto e esvaziar a sua graça. O público está empanturrado e, inconscientemente, consome aquilo que é jogado goela abaixo. Os atletas já não sentem a mesma alegria de jogar, apesar dos generosos salários que recebem.
Existem distorções por todos os lados. Caio Júnior e seus auxiliares pediram R$ 320 mil (por mês) ao Coritiba. Abel, Muricy e o "profexô" Luxemburgo, estão na faixa de R$ 500/600 mil (mês). Comparando, um juiz federal, por exemplo, ganha em média R$ 27 mil e o salário de um técnico em Ciências Exatas não passa de R$ 5.400. Sem mencionar professores e outras nobres profissões. Faz sentido?
Há explicação para o Paysandu sair de Belém e atravessar o Brasil 19 vezes para jogar sábados, terças e sextas-feiras em vários estados do Sul e do Nordeste? Tem lógica pagar R$ 120 e testemunhar um jogo que começa às dez da noite, levantando cedo no dia seguinte para ganhar o pão? Estamos fora da realidade. O país tem dimensões territoriais enormes. A estrutura de transportes é precária. Salários incoerentes. Preços incompatíveis.
Nesta semana acompanhei uma matéria interessante sobre o Mundial de 2022. A escolha nebulosa do Catar, com suspeita de compra de votos, por si só já é um absurdo. Aparecem agora denúncias graves sobre trabalho-escravo de operários vindos de países pobres, como o Sri Lanka, Nepal e outros. Eles chegam no Catar com propostas de trabalho na construção de estádios (nababescos) para a Copa. Consta na matéria do jornal inglês que já morreram dezenas de homens, e que até a Copa o número de mortos passará de quatro mil operários. Vivem eles em condições desumanas. Trabalham para ter direito à gororoba, que acredito, nem os cachorros do xeique comeriam. Vendo na reportagem, lembrei-me de A navalha na carne, uma peça marcante de Plínio Marcos. Tudo em nome dos rufiões do futebol, e dos estádios padrão Fifa.
Bem, por aqui nenhum atleta morre por falta de salários, embora muitos recebam com atraso. Também não há queixas quanto à alimentação. O que está destruindo a plástica e tirando o prazer é o excesso de jogos. Qualidade raramente combina com quantidade. Oscar Wilde escreveu somente um livro. Glauber Rocha dirigiu pouquíssimos filmes. Mohamed Ali lutava duas vezes por ano.
Os grandes artistas fazem poucos shows para não vulgarizar. É claro que o futebol é diferente, mas o calendário brasileiro está batendo no fundo do poço. Não sei se por ganância ou por ignorância. Talvez por ambas.