Cabixi fez quatro gols na primeira fase do Campeonato Paranaense, mas nenhum chamou tanta atenção como o que ele não fez. Segundo tempo do jogo contra o Maringá, no Newton Agibert, quartas de final, o atacante do Prudentópolis recebe a bola na pequena área, sem goleiro e chuta inacreditavelmente por cima. "Por que fui errar um gol feito desse jeito, meu Deus?", foi a pergunta de Cabixi aos céus, contada por ele mesmo na quinta-feira, dentro do "local do crime".
O gol fez falta ao Prudentópolis, que àquela altura perdia por 3 a 1 e acabou derrotado por 4 a 3. Fez mais falta ainda a Cabixi. O apelido de Erivelton Silva Lima é o nome da cidade de 6 mil habitantes, no interior de Rondônia, onde ele nasceu e volta ao fim de cada campeonato estadual. Aos 30 anos, ele faz parte da massa de 12 mil jogadores que perde o emprego ao fim dos Estaduais.
O contrato de Cabixi com o Prude vai até 15 abril. Depois, ou ele arruma outro time ou vai embora para Rondônia trabalhar no sítio dos pais ou como segurança. Uma realidade que ele espera mudar com seus gols. Aqueles que ele faz, não o que perdeu.
O que aconteceu aqui na área?
O Tiago veio pela esquerda e cruzou. Eu pensei: "Vai passar aqui" [aponta para um pouco antes da trave]. E corri para lá. Mas veio um pouco atrás. Ainda dei um passo para ajeitar o corpo, mas acertei com a orelha da chuteira.
Qual foi sua reação?
Pensei: "PQP, Deus, por que logo comigo?". Na situação que a gente estava, perdendo por 3 a 1, 15 minutos do segundo tempo... Se diminui o placar naquele momento, poderia ter pressionado e buscado o empate. Mas vida de atacante é assim. Agora preciso fazer dois gols para me redimir.
Os companheiros pegaram muito no seu pé? Teve muita brincadeira?
Alguns falaram alguma coisa, pegaram no pé. Atacante está sujeito a isso. Mas a maioria deu apoio.
O Deivid perdeu um gol pelo Flamengo contra o Vasco, em 2011, que virou referência de gol perdido. O seu foi pior?
Ah, não. No dele a bola veio no chão e ele chutou na trave.
Vieram trazer para você a camisa do Inacreditável Futebol Clube?
Não. Até achei estranho. Mas se trouxer, vou vestir. Dizem que quem veste faz um ou dois gols no jogo seguinte.
O Prudentópolis faz parte de uma nova fase na carreira de Cabixi. Após anos rodando pelo futebol rondoniense, ele abriu as portas do Sul graças aos técnicos Ivair Cenci e Joel Preissner. Conheceu a dupla no Vilhena, de Rondônia, em 2010, e passou a fazer parte da "franquia" dos dois treinadores. Para onde vão, Cenci e Preissner levam um grupo de jogadores do qual Cabixi passou a fazer parte. Assim passou pelo Grêmio Metropolitano, o Sorriso-MT e chegou ao Prudentópolis. Ganhou uma segunda família, do futebol, que o ajuda a segurar a saudade da primeira família, formada pela mulher e os três filhos: Lucas, 11 anos, Stephanie, 9, e Pietro, um mês.
Enquanto está jogando bola, Cabixi fica longe da família. Ainda não tem segurança para fazer todos mudarem de cidade por causa de um contrato de três meses. Se passa mais tempo em casa, é porque está desempregado. Vive de bicos no sítio da família ou como segurança. É de onde tira o sustento enquanto não surge uma nova proposta ou não recebe dos clubes que lhe deram o calote.
Desde 2010 você trabalha com o Joel Preissner e o Ivair Cenci. Como isso ajuda na sua carreira?
Eles conhecem meu trabalho, sabem do meu potencial e que mesmo com um jogo ruim, no outro eu posso melhorar.
O grupo de jogadores ser basicamente o mesmo também ajuda?
Muito. Às vezes você chega em um time e não conhece ninguém, demora a se adaptar. Aqui você conhece como o companheiro joga e tem convivência fora de campo. É uma verdadeira família, que acaba ajudando a matar a saudade da família da gente que está longe.
Há quanto tempo você não vê sua família?
Desde o começo do ano. Só volto quando acabar o campeonato. Se Deus quiser, com um contrato garantido com um clube para poder ter eles perto de mim.
Você nem conhece o seu filho de um mês, então?
Não.
E como faz para diminuir a saudade?
Falo três, quatro vezes por telefone com a minha mulher e as crianças. O Facebook também ajuda muito. Por enquanto, só conheço o meu filho pelo Facebook.
Desde quando você está nessa vida?
Comecei com 17 anos. Aí logo parei. Então vinha e voltava. De 2010 para cá que começou a melhorar mesmo.
Por que parou tantas vezes?
Às vezes chegava em um clube e não dava certo. Ficava sem receber. O calendário é pequeno, então acaba o Estadual e todo mundo é mandado embora. Você precisa sustentar a família, a necessidade bate na porta, então procura outra coisa para fazer.
Tomou muito calote?
Muito. Às vezes chegava no clube e a turma falava: "Aqui sempre pagou direitinho. Agora que foi atrasar". Eu pensava: "Será que eu que tenho alguma coisa errada, para justo comigo atrasar?" [risos]
Qual o calote mais antigo?
Do Vilhena [Rondônia]. Estou desde 2011 esperando eles me pagarem.
O que você faz para se sustentar fora do futebol?
Meus pais têm sítio em Cabixi, então eu cuido para eles, trabalho na roça desde criança. Fiz curso de segurança também, então sempre aparece amigo oferecendo emprego para eu poder jogar no time da empresa em torneio amador.
Quanto você ganha trabalhando como segurança?
Mil reais, às vezes mil e quinhentos.
E qual foi o maior salário como jogador?
Três mil e quinhentos.
Então mesmo com tanta dificuldade, vale mais a pena jogar bola?
Vale a pena quando o clube paga. Aí compensa. Não adianta nada assinar um contrato de cinco, dez mil e não receber. Melhor um contrato de mil e receber direitinho.
A mesma internet que usa para matar a saudade da família e conhecer o caçula fez Cabixi tomar conhecimento das propostas do Bom Senso FC. Vítima direta de calendários curtos e clubes caloteiros, o atacante torce pelo sucesso das reivindicações dos colegas de profissão mais badalados. Antes de mais nada, fica admirado e agradecido por ver quem poderia estar em casa curtindo o dinheiro acumulado na carreira comprar uma briga que é dele. Uma briga, Cabixi tem consciência, que não teria a menor chance de sucesso se fosse encampada apenas pelo exército de 12 mil jogadores que, daqui a poucos dias, estarão novamente desempregados.
Até quando você se vê suportando essa vida?
Me vejo jogando até os 35 anos, a não ser que não seja da vontade de Deus.
Tem alguma coisa para depois do Paranaense?
Por enquanto, nada. Só especulação. Meu contrato vai até 15 de abril.
Você tem acompanhado essa briga do Bom Senso para ampliar o calendário e obrigar os clubes a pagar o que prometem?
Tenho visto algumas coisas. É uma boa para os times pequenos e para os jogadores. Tem muito jogador que fica desempregado depois dos Estaduais. É muita família sem sustento. Por isso muitos param de jogar. Não tem como esperar começar o Estadual de novo para voltar a ganhar dinheiro.
O que acha de essa briga ser comprada por jogadores que não precisariam se preocupar com isso, como Alex, Dida, Rogério Ceni?
É muito bom. Eles poderiam estar em casa curtindo o que já conquistaram, mas estão preocupados com algo que é ruim para o futebol. Estão cobrando uma causa justa sem medo de ficar marcado. E mesmo com eles não está sendo fácil abrir a cabeça das pessoas. Se fosse só jogador de time pequeno na briga, ninguém ia dar atenção.
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