Conhecido de quem acompanha o futebol paranaense na internet, o nome de Luiz Betenheuser Jr. dominou a grande mídia esportiva de Curitiba na última semana. Foi o blog dele, A Torcida que Nunca Abandona, o primeiro a divulgar a carta dos jogadores do Coritiba contra o presidente do clube, Vilson Ribeiro de Andrade. O documento expôs a complicada relação entre o principal dirigente coxa-branca e os jogadores na mesma proporção que fez surgir insinuações de motivação política na sua divulgação. Uma corrente que virou de lado na medida em que os próprios jogadores começaram a confirmar a veracidade do texto. Prontamente, Betenheuser reafirmou a posição de que não será candidato na eleição do clube, marcada para o fim do ano. O que está longe de indicar que ele não participará do processo. Será, como faz há mais de uma década, o ruidoso ombudsman virtual do dia a dia. dia alviverde.
Qual a sua lembrança mais antiga do Coritiba?
Deve ter sido 1972 ou 73, Jairo saindo de campo. Ele usava o número 46, ano de nascimento dele, e o juiz mandou trocar de camisa. Era uma camisa maravilhosa, verde com o número branco nas costas, e a partir dali o Jairo não usou mais. A segunda foi em 1976. Na mesma semana, o Coritiba ganhou por 1 a 0 de Inter e Corinthians, os dois melhores times do Brasileirão naquele ano. Ficou uma forte lembrança de um time de camisa vermelha com um zagueiro grandão que pegava firme. Era o Figueroa.
Você morava perto do estádio?
Nessa época eu morava no Cajuru. Meu pai já era sócio e me levava com ele nas cadeiras superiores.
Era o programa de domingo?
Era. Ele queria companhia para ir ao jogo. Anos depois, eu que comecei a levar o pai e a mãe no jogo, hoje levo minhas filhas. Seguir o legado da família.
Quando começou a se envolver mais com o clube?
Em 1982, eu era da Torcida Jovem e o Vinícius Coelho fez uma promoção no Jornal do Estado de qual era a maior organizada de Curitiba. A Jovem ganhou e ele me entregou uma camisa do Coritiba, então comecei a interagir mais. Em 86 entrei na Império e fiquei até 2001, quando entrei no Coxanautas. Tinha uma lista de discussão e, como minha linha de pensamento em certo momento entrou com conflito com a do site, os caras me cortaram o acesso. Voltei a escrever com a senha de um amigo.
Como acompanhou a mudança nas organizadas?
As torcidas faziam as maiores festas populares da cidade nos anos 80, era um ambiente político diferente, a gente via os nossos pais nas ruas pelas Diretas. Curitiba parava em semana de Atletiba. Nos anos 90 houve uma mudança muito grande nas organizadas com a Mancha Verde do Palmeiras. Era a organizada que mais apanhava e veio com uma abordagem bem mais violenta. As autoridades acharam que era coisa de piazada. Antes era troca de soco, aí começou como faca e agora é armas de fogo.
Em que ponto viu que deveria sair de organizada?
Eu casei em 1994, tive uma filha. Você vê o risco de tomar uma pedrada ou um tiro e começa a se desvincular. Também tive um problema de amidalite aguda, um processo grave nas cordas vocais de tomar muita chuva em arquibancada, quase tive de operar.
Betenheuser trocou a arquibancada pelo computador, onde seguiu empunhando a bandeira do Coritiba. Extremamente crítico com as gestões do clube e com a abordagem da imprensa em relação ao futebol local, foi acumulando leitores. Também passou a sentir o lado ruim de ser uma figura conhecida na internet.
Ano passado, em uma pesquisa no Google, encontrou um relatório comercial dentro do site do Coritiba. Comparou com o seu blog e viu que tinha, em média, 50 mil acessos a mais que o canal oficial do Coxa na internet. Fluxo que aumentou com a divulgação da carta e trouxe junto um grande número de ameaças anônimas.
Onde tem mais covardia: em briga de torcida ou no ambiente virtual?
Existe uma análise errada em relação ao código de ética das organizadas. Eles têm seus códigos e existe um respeito, algo que eu não vejo entre dirigentes. No mundo virtual é mais emocional. O mais covarde é o anonimato. Existe articulação de bastidores onde se faz um grupo, as pessoas atacam como vespas e somem. Deveria ter mudança para uma punição mais forte aos crimes virtuais. O anonimato na internet é muito mais covarde do que dois piás de torcida trocando soco.
Como funciona para um torcedor de arquibancada de repente ter todo esse alcance?
O meu papel como torcedor é preparar uma geração nova que vai tocar o clube. Alguns não gostam da minha linha, entendem que prejudica o clube. Outros querem o futebol passado a limpo. Os times estão ficando mais profissionais e mais endividados. Trazemos portfólios das multinacionais e o futebol continua devendo R$ 4,5 bilhões de tributos.
Como foi a semana após a divulgação da carta?
Na segunda-feira a tensão foi grande, recebi algumas ameaças. Tive de pedir orientação policial. A pressão foi muito grande. Gente me chamando de mentiroso, dizendo que eu tinha escrito a carta. Aí o Alex confirmou, o Keirrison confirmou, o Deivid confirmou, e a onda inverteu. As pessoas entenderam que o maior problema era a situação que levou à carta. A apresentação me pareceu necessária. Como sócio, não podia me omitir.
Qual sua reação quando recebeu a carta?
Achei pesada. E se essa era pesada, queria ter visto a primeira. Tinha uma DR muito grande acumulada.
A reação do Vilson de chamar a divulgação de política te incomodou?
O termo que ele usou de me chamar de inimigo número 1 da gestão dele e de todas as outras, achei exagerado. Mas de uma coisa não posso ser acusado: de incoerência. Ninguém é obrigado a se candidatar. Se foi candidato e colocou dez pontos da gestão no site, tem de ser cobrado por isso. Eu votei no Vilson. Ia votar nulo, mas minha mãe recebeu o CD do pessoal do [então presidente, Giovani] Gionédis atacando o [candidato Domingos] Moro e acabei votando de maneira emocional. Votei em quem estava fora daquele processo, que era a chapa do Tico [Fontoura] e do Vilson que escolheram o [Marcos] Hauer e o [Jair] Cirino.
Você inclusive assumiu o compromisso público de não se candidatar.
Desde o ano passado já vinha me manifestando. Imaginando um ano quente, que lá em abril vai aparecer o balanço, já em fevereiro fiz editorial com compromisso de não ser candidato ao conselho ou diretoria.
E algum dia, será candidato?
Sou assalariado, tenho duas filhas para criar e não vou trabalhar de graça. Também me envolvi muito com futebol início da década de 2000 que acabei me divorciando. Talvez lá na frente, depois de aposentado. Mas sugiro que antes de qualquer um querer ser candidato este ano, que peça vistas do orçamento do clube e do balanço de 2013. As antecipações de receita da televisão vão criar um cenário difícil.
Aos 44 anos, pai de duas filhas, Luiz Betenheuser Jr. dedica os dias ao trabalho na Fundação de Ação Social (FAS). Está lá por gratidão e diz que não troca o emprego por nada, nem por uma proposta financeira melhor. É, diz ele, a garantia de que não se envolverá com a política do clube. Se algum dia decidir trocar a condição de sócio pela de conselheiro ou dirigente, espera ser em um futebol parecido com o que foi criado, nos anos 70 e 80. E em que possa continuar levando as filhas ao estádio sem medo.
Suas filhas vão direto no Couto?
Direto comigo.
Desde criança?
Desde criança, as duas. A mais velha passou uma hora chorando quando o time caiu em 2009. E com esse futebol aí a gente pensa: será que valeu a pena a decisão? Me questiono se fiz certo.
Por quê?
O futebol é muito podre, muito corrupto. É que a gente não tem a oportunidade provar. São poucos corruptos que têm o defeito da burrice. É um cenário que precisa mudar. Isso me preocupa muito.
E se uma filha aparecer com namorado atleticano?
A mais velha tinha um namorado atleticano que virou coxa. Comecei a levar ele no Couto, paguei ingresso no tempo que dava para fazer isso hoje estão cobrando preço de Barcelona x Real. Hoje ele é bem coxa. Dois dos meus melhores amigos são atleticanos. O Gabriel, da Ultras, ponta firme, sempre honrou a palavra, e o Paulo César, amigo de faculdade, trabalhou um tempo comigo. Futebol é para se divertir, respeitar as diferenças. É o que fará voltar ao que era antes. Tenho receio de não poder levar minhas filhas mais ao estádio.
Acredita numa retomada do convívio pacífico?
Só se tiver uma ação de política governamental, uma aproximação entre polícia e organizadas para discutir o problema de maneira mais aprofundada. Senão, só vai piorar. Tem uma Copa daqui alguns dias e não vi nada de concreto. Quando os russos chegarem, é possível que alguém queira brigar com eles. São milícias, ex-militares, como os croatas. Os ingleses são muito unidos, os alemães bebem bastante, pode acontecer de os líderes dos barra-bravas da Argentina se unirem e viajarem juntos. Só vai mudar quando fizerem como na Inglaterra, em que os times foram tirados das competições internacionais. Será que no Brasil alguém vai ter peito de impedir Flamengo e Corinthians de jogar uma Libertadores? Duvido.
Dê sua opinião
O que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.
Governadores e oposição articulam derrubada do decreto de Lula sobre uso da força policial
Moraes cobra explicações sobre visitas aos militares presos; Exército nega irregularidades
Governo não vai recorrer contra decisão de Dino que barrou R$ 4,2 bilhões em emendas
Juízes e desembargadores que jantaram com Luciano Hang são alvo de investigação do CNJ