Gerson já estava aposentado quando eu nasci. Mas é do Canhotinha de Ouro a lembrança mais remota que eu tenho de uma comemoração de gol, o que ele marcou na final da Copa de 70. Com os braços abertos, a cabeça levemente erguida e um sorriso emocionado, Gerson corre em direção ao banco de reservas e é abraçado pelos companheiros. Lembro de, jogando uma pelada de fim de aula na infância, ter comemorado um gol igual ao Gerson. Enquanto meus colegas viam um piá pançudo correndo de uniforme e "kichute" sobre o piso emborrachado do pátio coberto, na minha cabeça vinha a imagem do Canhotinha correndo iluminado pelo sol mexicano logo depois de encaminhar o tricampeonato.

CARREGANDO :)

A memória me conduz até dois dias atrás. Eu ainda me ajeitava no sofá de casa quando Jéci fez o gol do Coritiba contra o Palmeiras. Curvei-me em direção à tevê e arregalei os olhos para ver melhor o replay no exato momento em que Jéci encheu a tela em posição de sentido e começou a se movimentar como um pêndulo débil diante da câmera.

Enquanto Jéci balançava, cobri meu rosto com a camiseta. Sorte que eu estava na sala de casa, não dentro de campo. A regra é clara: camisa sobre o rosto na hora do gol é cartão amarelo. Corri ao site da CBF ver se cabia cartão amarelo para a comemoração profana do zagueiro. Não. Fui à página da Fifa. Idem. Aos olhos da Fifa, o João Sorrisão é legal. Aos meus, além de não ser legal, é imoral e só engorda o Febeapá do futebol brasileiro, em que o João Sorrisão desponta como o mascote do jornalismo bozo, aquele em que vale mais a piada do que a informação. Uma stand-up comedy que só teria graça caso fosse possível clonar o Jerry Seinfeld em larga escala.

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A minha contrariedade é pela tentativa de roteirizar o único momento de uma partida de futebol em que não há diferença en­­tre jogador e torcedor. Durante toda a partida, um joga, o outro torce. No momento da comemoração, acaba a diferença. Teste­­munhar a catarse desencadeada pela comemoração de um gol é uma das coisas mais bacanas do futebol. Ver o jogador do seu time – seja qual for – fazer parte disso com a mesma emoção não tem preço.

Lembrem-se do Ronaldo correndo como um moleque para se pendurar no alambrado após marcar seu primeiro gol no Corinthians – ok, o alambrado ce­­deu, mas gordos como o Ro­­naldo e eu estão sujeitos a isso. Uma comunhão perfeita entre uma torcida e seu novo ídolo por causa de um gol. Emocionante.

Sem a menor comparação com a imitação de um joão bobo. Triste é saber que, diante da adesão em massa da boleirada à nova moda, já deve ter muito mais estudante comemorando o gol no recreio balançando como um pêndulo de plástico do que se imaginando fazendo um gol em final de Copa. Pobre futebol brasileiro...