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O pé direito controla nervosamente a bola debaixo da mesa. De um lado para o outro, para a frente e para trás, com todo o cuidado para não deixar que ela bata nas traves da carteira.

No alto da parede, o cronômetro marca 9h45. Faltam cinco minutos para o fim da preleção. Lá na frente, a professora Rosa fala sobre frações e objeto direto, conceitos pouco úteis para o clássico da hora do recreio.

O desafio de hoje é com a 4.ª A. O campo é o corredor entre o pátio coberto e o ginásio, lá do lado do bebedouro.

No último jogo, o Tuca e o Dudu faltaram. Perdemos por 2 a 1, um gol de tabela com a parede, outro num frango do Fábio. Prometi nunca mais chamá-lo para agarrar pra gente. Mas sabe como é, se até na seleção goleiro está em falta, imagine aqui na escola. E a bola que o Fábio ganhou no Natal é novinha, igual à do Campeonato Brasileiro.

São 9h46. Espero que a aula não tenha acréscimos. Mas a professora Rosa não é disso. Pior era a professora Elaine, da terceira série. Esticava a explicação até onde dava, e sem levantar a placa avisando o tempo de acréscimo. Jogo depois de aula dela era morte súbita. Sobrava tão pouco para a gente que quem fizesse o primeiro gol levava.

Já são 9h47. Vou sair correndo assim que tocar o sinal. Senão, os piás da quinta série chegam antes para jogar malha. Uma vez, me enrolei para anotar a tarefa e perdemos o campo.

Pior foi na semana passada, que a gente jogou mesmo assim. Quando faltava pouquinho para bater o sinal do fim do recreio, veio aquela renca correndo, chutando um cabeludo. O Dudu não se intimidou e foi tentar fazer o gol. Levou uma bicuda no braço e tá em casa, engessado.

9h48. Só faltam dois minutos. Que droga que o Dudu não veio. Se ele estivesse aqui, nem me importava de colocar o Fábio no gol. Era eu, ele e o Tuca contra a rapa. Ninguém pára nós três. Meu vô, que é bem velhinho, viu um jogo nosso uma vez na pracinha perto de casa e falou que a gente parecia Pelé, Coutinho e Pepe. O Pelé eu sei quem é. Nunca ouvi falar desses outros dois. Mas se o meu vô falou, deviam ser bons.

Ai, 9h49. Tá chegando a hora. A professora já está anotando a tarefa no quadro. Já sei! Não vou copiar para não perder tempo. Depois eu copio do caderno das gurias. Hoje ninguém me segura, vou colocar a bola no meio das pernas do Chico. Ele pensa que é craque só porque o tio dele jogou na seleção júnior. Meu pai disse que isso não vale nada hoje em dia. Mané.

Trrrrim! 9h50, tocou o sinal. É agora, vamos lá. E... Vrrrrrum! Não acredito. Trovão? Chuva? Logo agora?! Deve ser praga da minha mãe, que falou que não ia costurar mais o joelho das minhas calças.

Nem vou pro pátio. Vou adiantar a lição de casa e passar a tarde inteira jogando videogame. Depois do feriado a gente pega a 4.ª A. O Dudu já vai estar de volta. E aí é eu, o Dudu e o Tuca contra a rapa. Ninguém segura a gente.

O colunista Tostão está de férias.

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