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Quando saí de Curitiba para Teresópolis, no dia 26 de maio, minha filha Helena calçava tênis tamanho 22, não conseguia enxergar sobre a tampa de vidro da mesa da sala nem distinguir as letras. Semana passada, fiquei espantado ao ver em um hangout (viva a tecnologia!) que a tampa da mesa já estava à altura do nariz. Mesmo espanto ao saber que ela ganhou um tênis tamanho 24 e ao ser apresentado ontem, dia da volta para casa, ao "M", ao "W" e todas as letras espalhadas sobre o tapete. Para mim, a Copa do Mundo de 2014 durou o tempo necessário para uma menina de 2 anos aprender as letras e crescer dois números de sapato e três dedos de altura. Medida pessoal e anárquica adaptável ao torneio todo.

Até a bola rolar no Itaquerão, sete anos de preparação pareciam velocidade da luz para a crônica incompetência dos políticos nacionais em fazer as coisas bem feitas, no prazo certo e pelo preço adequado. Bastou o nosso craque Nishimura apitar para o relógio ser novamente desafiado: como poderiam caber tantos gols e bom futebol em 90 minutos? Não teve caos nos aeroportos nem nas ruas. Um enigma.

A seleção foi outro. Antes da Copa das Confederações, Felipão disse que a natureza não dá saltos. Esqueceu as próprias palavras ao ter a certeza de que saiu do torneio com o time pronto. A seleção deu saltos para trás até e durante a Copa. Acabou engolida por um buraco negro maior que o do seu meio de campo.

Sinto um certo bloqueio mental ao escrever 7 a 1. O cérebro pergunta se aquilo realmente aconteceu. Mesmo de olhos abertos revejo os mesmos rostos incrédulos à minha volta diante do massacre. Entre o quarto e quinto gols, apenas me perguntei se a Alemanha não pararia de fazer gols. O único rastro de emoção diante de um atropelamento tão rápido e fulminante que nem permitiu tristeza. Éramos um exército de mortos-vivos vagando pelos corredores do Mineirão no intervalo em busca de um copo de alguma coisa, um sanduíche ou uma resposta.

O Brasil, definitivamente, tem vocação para produzir Copas que duram mais do que os dias de disputa. Moacir Barbosa começou a sua 26 de junho de 1950 e só foi sair dela em 8 de julho de 2014. Sessenta e quatro anos de um Mundial que parecia ter produzido uma ferida eterna, até que se produzisse outra, ainda maior.

O tempo da Copa de 2014 ainda é incerto. Um 7 a 1 em casa, numa semifinal, não termina no apito do juiz. Todos que viveram aquilo estarão eternamente presos ao jogo. Fatos históricos são assim. O 7 a 1 é o nosso 11 de setembro de chuteiras. O Maracanazo, um Pearl Harbor que doeu, mas criou as bases para os cinco títulos mundiais.

Diabolicamente, foram os cinco títulos que nos fizeram olhar para nossas chuteiras como se elas não pudessem crescer mais. Faltou erguer a cabeça e ver, por cima da mesa, os outros construindo um novo e melhor jogo. Somente quando se convencer da necessidade de reaprender o beabá do futebol o Brasil sairá do atraso em campo e poderá, enfim, encerrar a inesquecível Copa de 2014.

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