Alguma coisa de errada há na ordem do futebol mundial. Do contrário, não veríamos o técnico da seleção argentina, Sergio Batista, admitir que seu país perdeu a identidade em campo, valorizando cada dia mais a força física e o esquema tático à técnica, ao talento e, principalmente, à posse de bola, o que um dia já foi a marca mais tradicional do futebol portenho.
Não à toa, o Campeonato Argentino enfrenta uma de suas piores crises. Enquanto Messi, o maior craque do país desde o surgimento de Maradona, brilha no Barcelona, River, Boca, Racing, Independiente e todas as outras equipes argentinas oferecem apenas apresentações bizarras a seus torcedores. Como o próprio Sergio Batista admite em entrevista à edição de abril da revista El Gráfico, o verdadeiro futebol argentino está na Catalunha, no gramado do Camp Nou, não mais nos estádios argentinos.
Antes de mostrarmos o sorriso insolente dos que desdenham da desgraça alheia, voltemos a atenção ao nosso quintal. Há muito o Brasileiro também não é nenhum exemplo de técnica, aquele desfile de talentos que um dia fomos acostumados a assistir. Ainda não chegamos ao baixo nível da disputa do país vizinho. Mas trilhar este rumo também não está tão difícil para o nosso futebol.
Essa conversa me lembra de outra entrevista, a do gênio holandês Johan Cruyff à Revista ESPN. Líder do "futebol total" aplicado pela Holanda na Copa do Mundo de 1974, Cruyff enfatiza a necessidade de as equipes voltarem a apresentar um futebol vistoso, para frente, pelo bem do próprio esporte. E com um discurso desses, não é de se estranhar que o holandês tenha sido justamente um dos precursores não do estilo de jogo, mas sim da própria filosofia do Barcelona nos últimos anos: uma combinação entre jogar bem, dar espetáculo e ganhar.
O Barça, que já tinha essa essência antes mesmo de Cruyff jogar e comandar a equipe catalã, deu ouvidos ao holandês e reforçou seus potenciais. "Você está jogando para o público, é um artista, e as pessoas têm de se divertir", sugere o craque aos jogadores e aos clubes com uma sinceridade que admira.
Já o Ajax, equipe onde Cruyff surgiu, parece não ter dado pelota ao que seu filho pródigo dizia. O resultado é um ostracismo de 16 anos no cenário europeu desde quando a equipe de Amsterdã conquistou a Liga dos Campeões pela última vez , que culminou com a queda da alta diretoria mês passado pela escassez de conquistas.
Na Copa da África do Sul, em 2010, Cruyff criticou a postura excessivamente defensiva do Brasil, dizendo que não pagaria ingresso para assistir à equipe de Dunga. Foi espinafrado pelo então técnico da seleção. Espero sinceramente que Mano Menezes não faça o mesmo. Até porque, ao que tudo indica, Batista e a seleção argentina já estão bem atentos aos preceitos de Johan Cruyff.
* O colunista Tostão está em férias e volta a escrever neste espaço no dia 25.