Futebol e gripe

Já era começo da noite, depois do Atletiba. O menino fala para o pai:

– Que chato este zero a zero, né, papai?

– Foi um jogo ruim mesmo, filho.

– É verdade que o técnico deles é amigão do nosso técnico?

– É.

– Será que não foi por isso que o jogo foi ruim, papai?

– Acho que não...

– Amigos não batem em amigos, não é?

– Bem, eu...

– Pra mim, um ficou com pena de ganhar do outro. Daí o outro ia ficar chateado. Será que no segundo turno eles vão fazer o mesmo?

– Bobagem... O jogo foi ruim por outras razões...

– Quais, papai?

– Você viu algum lateral ir até a linha de fundo e cruzar a bola na área? Viu algum meia fazer ligação com o ataque? Foi um jogo de forte marcação e chutões.

– Quem foi pior, nosso time ou o deles?

– Hum... acho que foi pau a pau. Ambos jogaram mal.

– Lá na escola eu disse que meu pai ia me levar pro clássico e me perguntaram se eu não tinha medo da violência. Acho que falaram isso porque estavam com inveja. Mas eu fiquei com medo daquelas bombas que estouraram. A gente tava perto e meus ouvidos doeram. Caí e machuquei o joelho.

– Não vá contar isso pra mamãe, senão ela não deixa mais eu levar você.

– Mas ela vai ver na tevê!

– É, mas... Diga que a gente tava do outro lado do estádio, num lugar bem tranquilo. E que você escorregou na saída, tava molhado o chão.

– Quer que eu minta pra mamãe, papai?

– E diga que o jogo não foi tão ruim assim como todo mundo tá falando.

– ...?

– E se ela perguntar se nosso time vai cair pra Segunda Divisão, diga que isso não vai acontecer nunca, que nosso time tá melhorando a cada partida.

– Mas, papai...

– Filho, isso é futebol! Futebol, cappicci?

Na saída do ambulatório, o médico que atendeu o menino para averiguar suas lesões diz ao pai:

– A violência em estádios é parecida com a gripe suína: é mais disseminada pelos jovens, pois circulam mais, são mais fortes e não se abatem com ela... E quem sofre mais as consequências são as crianças e os idosos, as pontas da linha.

– Grato, doutor. Boa noite...