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No final de ano, estive alguns dias na charmosa Buenos Aires. É nítida a progressiva recuperação econômica da Argentina, conseguida por métodos não convencionais e bastante criticados anos atrás pela maioria dos economistas de todo o mundo e pelo mercado financeiro.

Os comentaristas de economia são como os de futebol. De vez em quando, acertam em suas previsões, já que as variáveis são enormes.

O índice de miséria da Argentina, medido pela ONU, chegou no auge da crise a ser maior que o do Brasil. Em outubro deste ano, estava em 11%, metade do índice brasileiro, que também tem diminuído. Nos últimos anos, a Argentina cresceu quase 10% ao ano.

Porém, existe hoje muito mais pobres nas ruas de Buenos Aires do que havia 40 anos atrás, quando visitei a cidade pela primeira vez. As cadeiras de couro nas calçadas dos bares foram substituídas pelas de plástico. São os novos tempos.

Os protestos da população na praça de Mayo, em frente à sede do governo, acontecem quase todos os dias. Reclama-se de tudo. Os argentinos não perderam o senso crítico nem a capacidade de se indignar.

Já o bife de choriço continua delicioso, principalmente sangrando. Não é preciso também ir a uma badalada e cara churrascaria para comer uma boa carne.

Maradona é cada dia mais idolatrado pelos argentinos. Ele não é apenas um ídolo. É um autêntico mito, uma utopia, que transcende a realidade, o bem e o mal, como Evita Perón, Carlos Gardel, Perón e outros mitos.

Por ter uma vida confusa, com momentos trágicos, como uma música de tango – isso é humano e comovente –, Maradona estimula ainda mais a paixão do romântico povo argentino por ele.

Maradona cometeu muitos pecados, alguns graves, tem tido comportamentos radicais, mas ele nunca compactuou nem se beneficiou do poder, como fazem tantos ídolos, de todas as áreas, em todo o mundo, e em todas as épocas.

O cemitério na praça principal do elegante bairro Recoleta, onde estão os restos mortais de Evita Perón e outros mitos argentinos, é tão ou mais visitado quanto os outros principais pontos turísticos, e tão procurado por brasileiros quanto as churrascarias e as lojas de couros. Será que existe uma outra cidade no mundo que tem um cemitério como uma das suas grandes atrações?

O cinema argentino, com sua linguagem poética, transformadora, e sem a influência massacrante da televisão, tem sido bastante elogiado em todo o mundo.

Duas outras profissões estão em alta na Argentina, a de tomador de conta de cachorros e a de tangueiro. As praças ficam cheias de rapazes fortes, cada um conduzindo uns dez cachorros. Se todos os cachorros resolvessem correr ao mesmo tempo, nem o Schwarzenegger conseguiria detê-los.

O tango está cada dia mais presente na vida da Argentina. Escuta-se tango em todas as esquinas, por meio de caixas de som ou ao vivo. Há shows de dança em todos os bairros. Os bandoneóns não param de tocar e de chorar, até tocado por crianças nas ruas, como meio de pedir esmolas.

"O tango é um pensamento triste que se baila" (Enrique Santos Discépolo).

As letras de tango não falam somente do amor que se perdeu ou que não se tem, mas principalmente do amor impossível, idealizado, que nunca se terá.

É bonito e prazeroso escutar o lamento triste e choroso do tango. Porém, é ainda melhor e mais necessário viver com intensidade as coisas e os amores possíveis.

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