Na coluna anterior, escrevi que para ser um ótimo jogador é preciso, antes de tudo, conhecer e executar bem as coisas comuns e essenciais. Disse ainda que é necessário aprender a regra antes da exceção.
Parece óbvio, mas não é. Quando era professor de medicina, notava que um grande número de alunos sabia e gostava mais das coisas raras, das exceções, que da regra. Pareciam saber muito, porém sabiam pouco. Não sabiam as coisas básicas. Isso ocorre em todas as atividades.
No futebol, podemos dizer que os fundamentos técnicos da posição (passe, drible, finalização, desarme, cruzamento) são a regra. É preciso fazê-los bem para ser um ótimo jogador. Não é o que muitas vezes acontece. Alguns atletas extremamente habilidosos e criativos não vão para frente por causa dessa deficiência. Outros, mais técnicos que habilidosos, têm mais sucesso.
A habilidade é a intimidade com a bola, a capacidade de dominá-la, colá-la aos pés e escondê-la do adversário. O drible é uma mistura de habilidade e técnica.
A criatividade é a capacidade de, em uma fração de segundos, encontrar uma solução diferente, perceber as posições e os movimentos de todos os que estão à sua volta e de calcular a velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários. Hoje, especialistas chamam isso de inteligência sinestésica.
A bola não procurava Romário, como gostavam de dizer. Romário estava sempre livre para fazer o gol porque sabia, antes dos outros, aonde a bola ia chegar.
O sonho dos treinadores é transformar o futebol em um jogo cada vez mais exato, de técnica, como o vôlei. Assim, eliminariam os acasos, e as estratégias seriam mais valorizadas. Bastaria treinar bastante e repetir no jogo. Os melhores ganhariam sempre dos piores. O futebol perderia o encanto.
O talento é a síntese das virtudes e das deficiências. Nenhum talento individual é suficiente se o atleta não tiver também talento coletivo e ótimas condições físicas e emocionais. Talento coletivo é a capacidade de se adaptar às características dos companheiros e de ter a consciência de que o brilho individual depende do brilho coletivo.
Dou mais valor ao passe decisivo, como os excepcionais passes dados por Hernanes, contra o Grêmio, e Cleiton Xavier, contra o Fluminense, que aos gols marcados por Dagoberto e Diego Souza nessas partidas. Os passes foram muito mais bonitos e mais representativos de uma grande técnica.
Os gols são mais valorizados que os passes. Quando se fala da carreira de um jogador, principalmente de um meia ou atacante, contam sempre o número de gols que ele fez. Ninguém sabe quantos foram os passes decisivos para gols. O artilheiro é o herói, mesmo se for um grosso e atrapalhar o futebol coletivo da equipe.
Se o drible é o mais lúdico dos lances, e o gol define o resultado (muitas vezes, não há relação entre o placar e a história da partida), o passe é o mais solidário dos fundamentos técnicos. O passe é a união, a ponte, entre o individual e o coletivo, entre o desejo, a ambição e a razão.