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Célebre imagem do garoto morto sendo carregado é venerada na África do Sul | Albari Rosa/ Gazeta do Povo – enviado especial
Célebre imagem do garoto morto sendo carregado é venerada na África do Sul| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo – enviado especial

Opinião

O poder da imagem

Albari Rosa, repórter fotográfico

A foto do estudante Hector Pieterson morto e sendo carregado, com seu irmão desesperado correndo ao lado, tornou-se um símbolo do levante no Soweto. Tirada em 1976 pelo fotojornalista Sam Nzima, é a prova mais contundente da importância da fotografia. Esta imagem foi publicada no mundo todo e serviu para retratar a realidade dos conflitos étnicos da África do Sul. Como fotojornalista há mais de 20 anos, trabalhando com reportagens com os temas ligados aos direitos humanos, sempre defendi que a imagem tem o poder de emocionar, chocar, alegrar e despertar nas autoridades a necessidade de tomada de soluções. Uma foto pode mudar a realidade de uma pessoa, uma família, uma cidade e de uma nação, como aconteceu com a África do Sul. A fotografia tem o poder de promover a justiça entre classes sociais e, muitas vezes, serve como prova e dá mais credibilidade para as notícias.

No conflito do Soweto morreram muitos jovens – especula-se mais de 500 –, mas se não houvesse o flagrante fotográfico da morte do estudante Hector Pieterson, poucas pessoas teriam a dimensão do que realmente foi o massacre.

Sem ela, talvez os terrores do apartheid ficassem escondidos por mais um bom tempo. E a África não seria o que se tornou hoje.

A África do Sul de hoje, onde bran­­cos e negros vivem juntos, e juntos organizam a primeira Copa do Mundo de seu continente, foi forjada em um massacre de centenas de jovens negros, em um único dia.

Há 34 anos, um protesto pacífico no bairro do Soweto, em Johan­­nesburgo, acabou em tragédia. O motivo da passeata: os brancos, chamados de africâners, queriam forçar os negros a falarem a sua língua. O evento ocorreu em 16 de junho de 1976. Ontem, o país celebrou o chamado Dia da Ju­­­ventude.

"Foi o episódio mais triste da história da segregação. Mas serviu para que os olhos do mundo se voltassem para a África do Sul. A partir daí as coisas começaram a mu­­dar", conta Mathabo Nicosi, a guia do Museu Hector Pieterson.

Segundo ela, os negros do So­­weto, em sua grande maioria, falavam inglês. Mas o Afrikaans era a língua oficial do país e dos brancos. O decreto de imposição foi feito em 1974, e dividia matérias co­­mo Matemática e Aritmética para serem ensinadas em um idioma e ciências gerais para outra. Pa­­ra piorar, Música, Educação Física e Religião deveriam ser ensinadas em zulu.

Hector Pieterson se tornou um dos símbolos da libertação do povo negro na África do Sul. Era um ga­­roto de 12 anos que participava da passeata e acabou sendo morto por policiais. Foi um entre centenas de crianças e adultos.

Contudo, a sua morte marcou, pois foi retratada em uma sequência de fotos chocantes, registradas por Sam Nzima.

Nela o garoto morto aparece carregado nos braços de um ho­­mem enquanto, ao lado, corre seu irmão chorando. A partir desse re­­gistro, o mundo foi informado das barbáries que ocorriam no país da segregação racial; e, enfim, tomou uma atitude. Através de sanções e embargos de vários governos iniciou-se o processo que daria fim ao apartheid em 1994.

Ontem, o museu que leva o no­­me do garoto morto teve um movimento maior do que o de costume. O local já virou um dos pontos tu­­rísticos da cidade. Lá, principalmente em tempos de Copa, se pode encontrar gente de todo o mundo.

"Não conhecia a história. É mui­­­­­to triste, mas ao mesmo tempo bonita. Pois a partir daí tudo mu­­dou", afirma o paulista Carlos Gal­­garo, contando tudo que aprendeu em pouco mais de uma hora de visita na casa.

Mesmo sem se conhecer o assunto, uma pequena visita é suficiente para colocar o público a par de detalhes interessantes sobre o episódio. Por exemplo, que a passeata reuniu cerca de 10 mil estudantes e que foi planejada em se­­gredo pelos jovens do Soweto.

Outro fato interessante é que não se sabe ao certo o número de feridos a bala, pois os médicos dos hospitais, com medo de represálias da polícia, a cada ferimento desses anotavam no prontuário médico como se fosse abscesso.

Olhando as várias peças do mu­­seu, com vídeos, fotos e histórias, se sai de lá com um imenso ma­­te­­rial para reflexão. Um deles, após ouvir o relato da irmã de Hec­­tor, sobre o que determina que um sim­­ples menino morra e vire ícone de uma nação.

"Eu vi ele na multidão, mas ele não me viu. Chamei ele, mas ele não me ouviu. Então veio um tiro e ele se perdeu na multidão. Re­­solvi ficar ali esperando por ele", conta Antoinnette Sitholo, em um documentário.

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