A história que vou lhes contar é um lamento triste. Recomendo cuidados expressos aos espíritos sensíveis – água com açúcar e compressas na testa. Em 1994, enquanto o Brasil se sagrava tetracampeão mundial de futebol, nos Estados Unidos, Pancho – como era conhecido – deu uma goleada na própria vida, se é que me entendem. Os motivos de seu ato insano são insondáveis à alma humana.

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Todos sabem que suicídio é um assunto tabu nos meios de comunicação, de modo a não influenciar ninguém a sair por aí se matando. Mas como se trata do sucedido a um cachorro, deduzo que não teremos, nos próximos dias, um flagelo nas cidades e vilas de nosso estado. Aos fatos.

Naqueles idos, o boxer Pancho – ainda em idade primaveril – brigava com a balança. Durante seus verdes anos, herdou todas as sobras de uma casa de massas da vizinhança. Sorvia lasanha o suficiente para abastecer um batalhão da Polícia Militar. Não desprezava uma boquinha, inclusive, tarde da noite, horário em que os prazeres da culinária italiana mais o rendiam.

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Pagou caro pela gula. Suas células adiposas se desenvolveram de tal forma que logo ganhou o aspecto de um filhote de rinoceronte. O rosto belo – atestado de seu pedigree – sucumbia diante do volume de sua buzanfa, para a qual todos olhavam sem pudores.

Celibatário por imposição das grades do canil, e das arrobas que carregava com sofreguidão em quatro patas delgadas, teve uma única e frustrada tentativa de vida a dois. Foi com Rita, a cachorra. De resto, tinha os olhos tristes como o quê. Sua alegria se resumia a um bom pasto, que devorava com a determinação de um estivador.

O apetite de Pancho merecia ir para os anais da medicina veterinária. O pobre não sabia distinguir uma escova de roupa de um osso de costela, suspeito, dos mais saborosos. Certa feita, engoliu um saco plástico, que, como bem alertam os ambientalistas, não se dissolve. Bem sei, tornei-me um observador de fezes. De outra vez, não resistiu a uma calcinha feminina, tamanho GG, voada do varal direto para sua bocarra. Devorou-a com a fúria de um tarado, obrigando seus donos a gastar o que não tinham para salvá-lo da ainda desconhecida "intoxicação por lingerie."

Conto essas coisas para justificar o modo escolhido por Pancho para se despedir. Enquanto todo o Brasil festejava a copa, nosso gorducho solitário, como milhares de outros que vagam pelos canis de uma Curitiba Malvada Cruela, fuçou com o nariz um amontoado de entulhos no quintal. [música trágica:"Eu não sou cachorro, não..."]

Se estivesse em paz consigo, teria comido um pedaço de pau, mas preferiu o veneno azul destinado aos ratos. Estava ensandecido pelas bombas e buzinas. De que lhe adiantava ter a barriga sempre cheia se os ouvidos lhe atormentavam a alma? E ainda nem havia as vuvuzelas.

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Chorei feito criança. Num momento difícil da vida, Pancho fora meu ombro amigo. Agrade­­cido, eu o recompensava com bananas e pães bundinha roubados da cozinha. Demorei anos para contar essa história, tal impressão me causava. Hoje, sugiro declarar Pancho "mártir da copa de 94", em desagravo à saga dos cães ensurdecidos. Eles são muitos. E morrem em segredo.