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Holanda dois, Brasil um. Putz grila. Essa história dos holandeses quererem o que é nosso já dura bem uns 400 anos, né não? Se bem me lembro das aulas de História da professora Benevenuta, no Colégio Pedro Macedo, os primeiros caras-pálidas dos Países Baixos pisaram aqui atrás do açúcar brasuca – puríssimo, o preferido da deusa Diana. A gente deu, claro, pois o que é um copinho de açúcar para um brasileiro?

Os ruivos chegaram com panca de comissão de frente de escola de samba. Eram da Companhia Ho­­lan­­desa das Índias Ocidentais – ou seria "orientais?" –, o que lhes dava uma vantagem sobre nossos portugas, vários deles com a ficha-suja no além-mar. De resto, passaram a lábia nos nossos tapuias e degredados, um povo que não ti­­nha boca para nada, que dirá para falar holandês, uma língua em que o "i" é "ê" e o "iê" é "i".

A visita foi um verdadeiro sururu no canavial. Mesmo assim, os holandeses desfrutaram da nossa hospitalidade regada a cafuné e chamego. Janelas e portas das casinhas de pau a pique se abriram para aquele povo cheio de renda no pescoço, uma esquisitice que consumiu muita goma de clara de ovo, sobrecarregando nossas galinhas. Aquele vestuário era um "elogio à loucura" (1) na terra dos pelados.

Um dos nossos, sabe-se, se bandeou para o lado dos forasteiros. Chamava-se Calabar e, séculos mais tarde, inspirou uma peça de Chico Buarque e Ruy Guerra. Deu até censura e coisa e tal. Chico, aproveitou o forfait para homenagear com letra e música a tal de Ana de Amsterdã, que boa bisca não era. Brasileiro fez o quê? Can­­tou as diabruras dessazinha como se fosse cantiga de ninar criança. E tudo bem.

Duro mesmo é guardar de cabeça todas as invasões holandesas no Brasil. Nederland, como eles chamam, é alagadiça feito o Guarituba, em Piraquara. Por isso os caras não desocupavam nossas moitas. Ten­­ta­­ram o Rio de Janeiro, depois Sal­­vador e Olinda e Recife. E era um tal de Olivier Van Noort de um lado, Jacob Willekens de outro e Mau­­­rício de Nassau cercados de esquadras com tantos mil homens que só devia ter mulher solteira na Ho­­landa, se enchendo de chocolate.

Bom, do Nassau até que eu gosto. Sei mais dele do que sobre Jo­­­­hann Cruyff (2). Johan Maurits Van Nassau-Siegen, o próprio, tinha cabelinho ralo, despistado com uma franja à la Alinne Mo­­­­­­raes. E cara de quem comeu e não gostou, provocada pelo calor e pela ausência de cervejarias. Mas nos fez um bem danado. Transformou Recife numa cidade de verdade, uma No­­va Holanda. Seu programa de go­­verno caiu na prova da dona Be­­nevenuta. Decoreba: tinha tolerância religiosa para judeus e protestantes, coleta de lixo, pontes e – claro – drenagem de banhados.

Tenho cá para mim que Mau­­rício parecia um desses milionários excêntricos das novelas do Síl­­vio de Abreu. Era cheio de passione. Ganhava 1,5 mil florins e triturava meio milhão de florins para construir uma casa. Vivia cercado de artistas, mas adorava reunir a peãozada para uma batalha, como se fosse um farrapo dos Pampas. Ninguém disse, mas nos oito anos em que passou no Nor­­deste deve ter sido tratado como um faraó às margens do Capiba­­ribe. Imagino a saudade sentida quando voltou para a cha­­tésima Cleves, onde deitou seus ossos e lá permanece, longe das belezas da Praia de Boa Via­­gem. Pobre do Cicinho Sarará.

Pois é, até hoje quando o sujeito nasce loirinho, os nordestinos dizem que é o sangue holandês que tava na reserva. Foi bom de­­­­­mais para eles, foi não? E em troca aqueles carequinhas de nome Wesley Sneijder, Arjem Robben, Kuyt, Van Bommel, Van Bronck­­­­horst arrancaram o torrãozinho de açúcar da nossa mão.

Ô, Wander Brennos, nossa ca­­­na, nossos mares, nossas índias e agora nossa taça? A gente é bom demais. Brasileiro não se emenda.

(1) Como não citar Erasmo de Roterdã?

(2) Uma dica para quem tem menos de 35 anos: era conhecido como o "Carrossel holandês".

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