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Estátua de bronze de Nelson Mandela em Paarl, próxima à Cidade do Cabo: ex-presidente é reserva moral do país | Gianluigi Guercia/ AFP
Estátua de bronze de Nelson Mandela em Paarl, próxima à Cidade do Cabo: ex-presidente é reserva moral do país| Foto: Gianluigi Guercia/ AFP

Sérgio Gil é doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, professor das Faculdades Rio Branco. Especialista em África do Sul, atendeu a Gazeta do Povo para falar sobre os reflexos que a Copa do Mundo deverá ter no país-sede e como está a situação política da África do Sul. Na opinião de Gil, uma coisa é certa: "A Copa mostrará todas as mazelas do povo sul-africano".

O que a Copa pode significar positivamente para a África do Sul?

É o reconhecimento de um esforço que a África do Sul vem fazendo desde o término do apartheid para a implantação de uma democracia plena. Isso é bastante positivo, já que é a primeira vez que a Copa será realizada no continente africano e, sem dúvida, no país mais importante. Nesse ponto, há também a importância econômica de um evento como esse, que certamente irá refletir no país.

E negativamente?

Vai focalizar fortemente todos os dramas e desigualdade que o país enfrenta. A questão da miséria, doença... O apartheid trouxe uma diferenciação social muito grande. Se agora existe uma elite negra que ascendeu ao poder e também economicamente, por outro lado existe uma população bastante em­­pobrecida. E aí o empobrecimento é indiscriminado, pois também há brancos pobres, não só negros. São dilemas típicos de um país em desenvolvimento. O monopólio da riqueza e uma vastidão de pobreza.

Quando o senhor fala em doença, pode-se dizer aids?

Principalmente. É a questão que agrava o problema social da África da Sul. A aids dizima grande parte da mão de obra do país e da população economicamente ativa. Além do mais, é um problema de difícil solução, principalmente por ser associado a questão da crendice, que acaba inviabilizando os programas de prevenção.

Voltando à questão da discriminação, o Mundial pode ajudar ou o senhor acha que o fim do apartheid já resolveu isso?

Evidentemente que não se resolve em 20 anos o que durou desde os tempos da colonização. Existe hoje uma maior integração, mas essa integração ocorre muito mais entre as classes mais favorecidas. Com a ascensão da elite negra, hoje ela mora em bairros que antes eram exclusivamente de brancos, principalmente nas grandes cidades... A capacidade de inserção da população no sistema econômico e social ainda é muito precária, apesar das três gestões do CNA [Congresso Nacional Africano, partido de Mandela]. A Copa vai mostrar bem isso mais fortemente, embora a África do Sul não precise apenas de Copa para expor as suas mazelas.

Qual a real influência de Nelson Mandela no país atualmente?

É uma reserva moral. Continua sendo um líder político ainda, mas sem ter exatamente o poder. Os dois sucessores dele são bem aquém e personagens um tanto quanto, no sentido pejorativo do termo, folclóricos. Nenhum tem postura dele, de um estadista. São personagens que mais figuram no campo do grotesco, do prosaico. Ficou um grande vácuo. Ele ainda é a reserva moral, mas que não pode evitar determinadas coisas até certo ponto constrangedora. A questão do combate a aids é uma delas. O próprio presidente atual [Jacob Zuma] sempre in­­centiva e de­­monstra o conservadorismo nesse ponto – leia-se aqui crendice.

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