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O motorista da linha Barreirinha desfruta da rua sem tráfego no momento da partida de estreia do Brasil na Copa do Mundo. Queria ver o jogo, mas um dia de trabalho sem buzina e congestionamento foi bem recebido | Hedeson Alves/ Gazeta do Povo
O motorista da linha Barreirinha desfruta da rua sem tráfego no momento da partida de estreia do Brasil na Copa do Mundo. Queria ver o jogo, mas um dia de trabalho sem buzina e congestionamento foi bem recebido| Foto: Hedeson Alves/ Gazeta do Povo
  • Pouca gente se atreveu a viajar pelo Afonso Pena no dia da estreia da seleção
  • Patrícia comanda o plantão copeiro do Cajuru: paciente pediu alta para ver o jogo

Reportagem da Gazeta do Povo acompanha a partida da seleção brasileira ao lado de trabalhadores que não tiveram folga durante os 90 minutos da estreia do time de Dunga na África do Sul. Motorista e cobrador de ônibus, funcionários da área médica do hospital Cajuru e parte do estafe do Aeroporto Afonso Pena se desdobram para ter informações mínimas sobre o jogo de Johannesburgo. Tudo sem estresse, pois prevaleceu a lógica: "Somos serviço de utilidade pública".

Leia as histórias:

No ônibus, paz por ruas vazias

Marcos Xavier Vicente

Em poucos minutos, Mauro Aza­­nha, 53 anos, e Valdir Pe­­reira de Almeida, 38, foram do estresse à calmaria ontem. Não pelo fato de o Brasil ter obtido uma vitória magra contra a Coreia do Norte. O alívio tinha outra causa: as ruas livres na estreia da seleção na Copa.

Motorista e cobrador da li­­nha de ônibus Barreirinha, Aza­­nha e Almeida não puderam assistir à partida. Em compensação, rodaram quase duas horas como sempre sonharam: sem trânsito al­­gum. "Ah, se fosse todo dia assim... Tem como ficar estressado com as ruas assim, sem ne­­nhum carro?", comparava o mo­­torista à rotina habitual de en­­garrafamentos.

Antes de chegar ao deserto nas ruas, porém, a dupla en­­fren­­tou um calvário na última viagem até o início do jogo. Nor­­malmente, o trajeto entre a Praça Tiradentes e o Terminal da Barreirinha é feito em torno de 25 minutos. Com as vias re­­pletas ontem antes da partida, o percurso quase dobrou: 45 mi­­nutos. "Antes dos jogos é sempre essa loucura. Depois, fi­­ca um sossego que dá gosto", co­­mentava Almeida, com a ex­­periência de três copas anteriores.

Dito e feito. As viagens se­­guin­­tes, já com a bola rolando, fo­­ram em não mais do que 15 mi­­nutos. Na primeira depois do corre-corre, os 91 passageiros que se exprimiam no coletivo de­­ram lugar a cinco mulheres e uma criança que podiam se dar ao luxo de escolher o assento. "Gos­­to de Copa, mas essa barulheira me irrita. Vou aproveitar o jogo para ir ao mercado e à igreja", dizia a aposentada Leoni Ma­­chado, 79 anos. Já a auxiliar de lavatório Lindacir de Souza, 30 anos, lamentava: "Gosto de futebol. Mas tenho que trabalhar. En­­tro às 16 horas..."

Para saber o resultado, Aza­­nha e Almeida recorriam aos pas­­sageiros com rádio. "Mas basta ouvir uns rojões que a gente já sabe que é gol", dizia o mo­­torista.

Azanha ainda teve sorte: assim que o ônibus chegou ao ponto final na segunda viagem com o jogo transcorrendo, conseguiu correr a uma banca de revista para ver o replay do gol de Mai­­con. Almeida, nem isso.

Na última viagem antes do fim da partida, o ônibus ameaçou não sair do lugar por problemas mecânicos. Mas, como o ti­­me de Dunga, engasgou, engasgou, até pegar no tranco e seguir em frente.

Aeroporto tem dia (quase) normal

Napoleão de Almeida

O relógio é o pior inimigo. É dia da estreia do Brasil na Copa e o co­­mércio vai baixando as portas bem an­­tes das 15h30, correndo para casa. Mas há um grupo que não tem esse privilégio. O país não para: no Ae­­­ro­­­­porto Afonso Pena, no­­ve voos es­­tavam programados para o pe­­río­­do em que a seleção superava (no aperto) a Coreia do Nor­­te.

"Nós somos parte dos serviços essenciais, não tem como parar de jeito nenhum", disse, por telefone, o supervisor do aeroporto Wil­­son Fernandes. Por telefone porque estava na pista, coordenando cinco aeronaves entre idas e vindas.

O dia foi corrido. Pela manhã, vários voos foram cancelados em função de um problema técnico, o que atrasou a vida de Valmir Fer­­reira. Ele e a esposa, que mo­­ram em Porto Velho, Ron­­dônia, iriam pela manhã. Como não deu, ao menos jogaram o voo pa­­ra as 19 h, depois do jogo. "Eu queria ver mui­­to o jogo, ainda bem que conseguimos fazer essa mu­­dança de última hora", contou Valmir, mu­­nido de um belo caneco de chope.

Os restaurantes do terceiro piso eram a casa da torcida que, em trânsito, não se importava tanto com atrasos. A In­­fraero não usou os monitores dos pisos de embarque e de­­sembarque para exibir o jogo. Eviden­­te­­mente, não poderia abrir mão das telas que confirmam os pousos e decolagens. Mas manteve também no ar a TV Aero­­porto, re­­pleta de propagandas. Os bares agradeceram: cerca de 300 pessoas se espremiam por lá e, naturalmente, consumiam. Até mesmo o dono da loja de artesanato, que deixou um simpático "volto logo" na porta para acompanhar a seleção.

Na porta de embarque, as agentes de proteção Eva Ca­­nepa e San­­dra Mara conferiam a passagem entre um "uhh!" e outro. "Não po­­demos ver, te­­mos escala aqui. Nem uma ‘tevezi­­nha’ para nos informar", conformava-se Eva. Às 16h40, com os gritos no andar de cima, ela pode comemorar: Mai­­con havia feito 1 a 0.

Nos céus, o comissário de bordo Carlos Reinke também vibrava. Pelo rádio, ele e a tripulação do voo TAM das 15h30 entre Porto Alegre e Curitiba receberam a notícia. "A gente fica sabendo. Claro que eu preferia folga e estar com os amigos, mas não tem como, é o nosso tra­­balho", contou, assumindo tam­­­­­bém que mal pisou no solo e ligou o ce­­lular com tevê para confirmar o resultado. Ok, o Brasil não para. Mas dá um jeitinho de ver a se­­leção.

Pronto-socorro ignora a seleção

André Pugliesi

Saúde é um serviço abso­­lutamen­­te indispensável, seja em que época for. Assim, en­­quanto o Brasil estreava na Copa, o Hospital Cajuru seguia em ritmo normal. Para o plantão de ontem, mais de 30 profissionais – entre médicos, enfermeiros, recepção, etc. – tiveram de deixar a bola de lado para atender ao pronto-socorro.

"Acho que vai ser bem sossegado. Você vê que esvaziou tudo. Teve até paciente que pediu alta pa­­ra ir acompanhar o jogo", di­­zia Patrícia Longhi Buso, cirurgiã-geral e responsável pela emer­­gência na tarde de ontem. Pois bastou o juiz apitar para ser desfeita a impressão de uma jornada tranquila pela frente.

Barulhinho agudo ao fundo é sinal de ambulância do Siate em marcha-ré. "Auto-Moto", anuncia o socorrista, ao mesmo tempo em que empurra a maca. Na sala, o único sinal de Copa é uma bexiga amarela presa à parede e um papel com o bolão dos fun­­cio­­nários, onde só havia apostas com vitória da seleção brasileira.

Do lado de fora, escondida em um cantinho, uma pequena televisão (5 polegadas) preta e branca faz o contato com o mundo do futebol. "A ‘japonesada’ está caindo em cima", comenta Dir­­ceu Ferreira, maqueiro. Na re­­cep­­ção, em frente, a tevê está que­­brada, e quem aguarda por lá parece não dar a mínima para o time de Dunga.

Eis que mais um motoqueiro acidentado chega. Outro vem a se­­guir. Pelo jeito, reflexo da pressa no trânsito para curtir a partida em casa. "Pior que não. Estava indo embora numa boa e um carro bateu em mim", afirma Rafael Santana, estirado na maca, mas sem ferimentos graves.

Fim do primeiro tempo, fo­­ram 12 atendimentos de emergência. "Foi um movimento normal", avalia a emergencista Pa­­trícia. Pausa no Estádio Ellis Park, placar em branco, intervalo também no Cajuru com a emer­­gência vazia. "Agora os jogadores devem estar levando uma mi... do Dunga", aposta Isabelle de Oliveira, técnica de enfermagem.

Recomeço do confronto, uma gritaria avisa: gol do Brasil. To­­dos perguntam quem fez: Mai­­con! Correria rumo à sala de raio-x, único lugar onde há uma televisão em boas condições conectada. Lá dentro, cinco funcionários de olho na performance ver­­de e amarela. E, em seguida, nova comemoração: 2 a 0.

Voltando ao PS, um senhor dá enorme trabalho aos enfermeiros. "Quando vem paciente etilizado (bêbado), temos de amarrar pois eles tentam nos agredir", conta Keli Neves Feitoza, enfermeira. Lá na África, quem complica é a Coreia, diminuindo o marcador. "É um lixo esse time", brada um médico, de passagem pelo recinto. Apito final no gramado e, somando mais seis atendimentos, termina o plantão.

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