Duas Copas do Mundo foram entregues para a África do Sul para 2010. A mais visível é o torneio de futebol envolvendo 32 seleções no maior evento esportivo do mundo. Menos observável e mais disputada é a que envolve acordos comerciais que levantaram sérias questões de conflitos de interesse entre os setores público e privado.
Um livro lançado pelo Instituto de Estudos de Segurança na África do Sul intitulado Jogador e Árbitro: interesses conflitantes e a Copa do Mundo de 2010 (Player and Referee: Conflicting interests and the 2010 Fifa World Cup) detalha seis estudos de caso envolvendo construção de estádios, fornecedores oficiais, licitações e fiscalização governamental que lançam uma dura luz na falta de transparência e prestação pública desses acordos.
Os estudos de caso, escritos por jornalistas investigativos da África do Sul e Reino Unido, dizem que a competição de interesses entre aqueles que procuram se beneficiar financeiramente deixaram as preparações para a Copa de 2010 vulneráveis a "manipulações por meio do uso de influência, pressão política, subornos, fraudes e extorsões".
Muitos desses relatos soam familiar, recordando o que se viu em Copas anteriores. A Fifa, entidade máxima do futebol mundial, tem enfrentado regularmente acusações de corrupção.
Colocados juntos, os estudos de caso proporcionam um enorme contraste entre os declarados motivos de levar a Copa do Mundo para a África pela primeira vez reforçando a identidade nacional, fazendo crescer a visibilidade e desenvolvendo a percepção pública da nação mais desenvolvida do continente e o potencial para corrupção que acompanha um evento esportivo global de tamanha magnitude.
Parece que "foram poucos em forma de licitação" os lucrativos contratos de construção de estádios, juntamente com a suspeita de fixação de preços da indústria de aço que levaram a um significante aumento do custo na construção das arenas e outras infraestruturas, relata o livro.
A conta estimada dos contribuintes para estádios, estradas de ferro e outros projetos subiu de US$ 310 milhões para aproximadamente US$ 2,4 bilhões, espalhando reclamações em um momento no qual a África do Sul sofre para prover casas, eletricidade e água potável para parte do país.
O livro se refere a um estudo de impacto econômico do Citibank que diz que a Fifa, que promete gerar uma receita de US$ 3,2 bilhões a US$ 4 bilhões com a Copa do Mundo, "é a maior beneficiária", enquanto a África do Sul, país-sede, "carrega uma parcela desproporcional de encargos". Joseph Blatter, presidente da Fifa, não foi encontrado para comentar o caso.
Como ocorreu na Copa de 2002, realizada na Coreia do Sul e no Japão, há uma preocupação sobre o destino dos estádios, se eles se tornarão "elefantes brancos" depois de 11 de julho, data da final do torneio. A Fifa forçou as autoridades da Cidade do Cabo a construírem um estádio em uma área onde ele é pouco necessário, conta o livro, levando à preocupação de que o Estádio Green Point, naquele local, "se tornará financeiramente inviável após o Mundial".
A supervisão governamental também é levantada pelo livro. Sob um arranjo sombrio, afirma, a cidade de Johannesburgo, aparentemente buscando limitar seus riscos financeiros, cedeu seus potenciais lucros do principal estádio da Copa, o Soccer City, com capacidade para 94 mil pessoas, a uma companhia desconhecida chamada National Stadium SA.
O livro ainda esmiúça as empresas que farão os serviços oficiais para a Fifa durante a Copa do Mundo.
A Match Event Services, a provedora oficial de ingressos e hospedagem foi premiada pela Fifa com contratos sem licitação pública e elevou os custos dos quartos em 30%, relata a obra. A companhia é controlada por uma família britânica, segundo o livro, o que significa que uma grande fatia dos lucros dos hotéis não ficará na África do Sul.
Outra empresa correlata, a Match Hospitality, que tem os direitos exclusivos para oferecer pacotes de hospedagem para clientes corporativos, inclui como um de seus acionistas uma empresa encabeçada por Philippe Blatter, o sobrinho do presidente da Fifa, diz a publicação.
"Em face disso, o governo parece carecer de condições para encarar as poderosas corporações internacionais que têm uma participação financeira nos jogos", conclui a obra. "O poder está desproporcionalmente alocado a favor da Fifa e das entidades corporativas em detrimento do governo anfitrião e de seus cidadãos".
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