A libertação do Soweto vem sendo feita de biarticulado. Mas não tem sido fácil. Diferentemente de Guadalajara, no México, Ahmedabad, na Índia, ou Cali, na Colômbia, onde é exaltado, em Johan-nesburgo, maior cidade da África do Sul, o sistema made in Curitiba enfrenta resistência para cumprir a inédita função social de integrar brancos e negros.
Por décadas, o bairro mais populoso da cidade, com estimados 3 milhões de habitantes, se locomoveu até o centro por meio de vans velhas e sem sinalização. Desde o começo do ano, os BRT (ônibus de trânsito rápido), inventados na capital paranaense, tentam tornar a integração mais rápida.
"Se você não tem transporte é como se fosse um prisioneiro. E nós temos muita experiência no assunto. Nelson Mandela ficou na prisão por 27 anos, eu fiquei por 12. Transporte significa igualdade e liberdade", declarou o ministro dos Transportes, Joel Sibusiso Ndebele, há pouco mais de dois meses.
Foi a primeira vez que, apesar de metaforicamente, se explicitou o motivo pelo qual nunca houve uma linha que ligasse o principal bairro negro à zona central. Mesmo após o fim do apartheid, o regime de segregação, em 1994, foram necessários mais 16 anos para isso ocorrer. "Pela primeira vez o governo pensou nos pobres", afirmou ontem Thembce Nhomo, 20 anos, que estava na estação Marumbi, em direção ao Soweto.
Contudo, o novo sistema seria impensável se não fosse a Copa. Em uma cidade de tráfego caótico, sem trem ou metrô, a linha é imprescindível para o acesso aos estádios Soccer City e Ellis Park. Juntos, os dois serão palco de 15 partidas, ou seja, 25% do torneio. Entre elas, a abertura e a final.
O período também será de trégua à criação paranaense. Depois do Mundial, devem recomeçar os protestos dos motoristas de vans. Em março, quando foi inaugurada a segunda fase do projeto do Rea Vaya (nome do biarticulado por aqui, que significa "estamos indo", em Zulu), a cidade parou dois dias por causa de uma violenta greve do transporte informal. A casa de um motorista de BRT foi incendiada e 70 manifestantes foram presos.
A indignação se explica. Cerca de 90% do transporte coletivo de Johannesburgo é feito por vans. Economistas estimam que isso signifique um giro em torno de 300 milhões de rands por mês (cerca de R$ 75 milhões).
Por enquanto, a Copa, aliada às poucas linhas e à frequência dos Rea Vaya, que passam de 20 em 20 minutos, garantem a continuidade das vans quase sem prejuízos. Mas a ideia do governo é expandir o sistema, tornando a concorrência desleal. "[O ônibus] é melhor. Mais bonito, limpo e confortável. Além disso, tem mais segurança", analisou outro usuário, Thulane Macebe, 30 anos.
Mas a filial deixa um pouco a desejar em relação à matriz. Embora os ônibus sejam importados do Brasil, as estações são diferentes, mais parecem terminais. Grandes e abertas, por isso frias no inverno. Os tubos ainda não chegaram à África do Sul.