Normalmente o pai é o grande incentivador e responsável pelo início da carreira do filho no futebol. É ele quem passa a paixão por um clube, quem leva aos estádios, quem incentiva nos primeiros treinos das divisões de base. Mas com Julio Cesar, a história foi um pouco diferente. Considerado um dos melhores goleiros do mundo, o camisa 1 da seleção brasileira parte para a segunda Copa do Mundo. A primeira como titular. Graças à dedicação da mãe Fátima.

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A voz de Julio Cesar até ameaça sumir no momento em que lembra como a mãe foi importante no início da caminhada no futebol. Ele precisa fazer uma pausa. O goleiro que cresce para cima dos adversários, que faz os 7,32m do gol ficarem pequenos, é também uma pessoa sentimental. Não tem vergonha de se emocionar. Assim como Dona Fátima ao recordar dos tempos difíceis.

"Ele tinha que chegar às 7h da manhã na Gávea para treinar. Sempre o acordava 6h e ele levantava meio sonolento. Era cedinho. O chuveiro que o acordava mesmo. E eu sempre levava uma marmita no carro porque após o treino ele ia direto para a escola. Ele só tinha tempo de almoçar dentro do carro mesmo. Era tudo assim na correria", lembra Dona Fátima, que muitas vezes precisava jogar um pouco de água no rosto do filho para tirá-lo da cama.

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"Tenho uma ligação muito grande com a minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado. Se eu estou onde estou devo praticamente tudo a ela. Ela sabe disso. E acho que hoje ela tem muito orgulho dos filhos", disse o goleiro em entrevista ao repórter Tino Marcos, da TV Globo.

Filhos. No plural. Uma mostra de como a família Espíndola é unida. Julio Cesar é o caçula da casa. Ele tem outros dois irmãos. Janderson é quatro anos mais velho. Também seguiu pelo mundo da bola, mas teve menos sucesso. Era atacante, mais conhecido como Espíndola. Revelado pelo Botafogo nos anos 90, quando era chamado de Pardal, foi campeão brasileiro pelo Vasco em 1997. Mas ganhou as manchetes mesmo quando fez um gol no irmão famoso da família no Campeonato Carioca de 2001 em um jogo entre Bangu e Flamengo.

Júnior, um ano mais velho, é o outro irmão. Não seguiu o mesmo caminho. Encontra com a bola só nas peladas com os amigos. Mas foi o responsável pelo nascimento da paixão de Julio Cesar pelo futebol. Primeiro nas brincadeiras nos fundos da casa em que moravam na Penha, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Duas cadeiras serviam como traves. E, muitas vezes, as meias garantiam a diversão. Elas eram enroladas como bola. E também substituíam as luvas nas mãos do pequeno Julio Cesar.

"Até que um dia ele chegou e falou que queria ganhar uma luva de "goreiro". Ele nem sabia falar ainda direito (risos)", lembra Dona Fátima.

Depois, o irmão Júnior também contribuiu para o início da carreira de Julio Cesar. O velho ditado não diz que todo bom goleiro precisa também de um pouco sorte? Foi mais ou menos assim. Tudo começou por acaso.

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"Eu cheguei ao Grajaú (Country Club) uma tarde para jogar bola com o meu irmão. Aquele gol a gol na quadra, de chutar de um para o outro. Mas aí faltou um jogador que era federado no pré-mirim e me chamaram para completar o time. Nunca tinham me visto em lugar nenhum. E era justamente o goleiro que não tinha ido. Fui jogar, mas sem pensar em nada. Queria só me divertir. Mas aí depois me perguntaram se eu gostaria de fazer um teste para começar a jogar pelo Grajaú. Morava no subúrbio da Penha. Minha parada era só rua, futebol de rua, futebol de esquina. O carro vinha e a gente falava "carro". Aí todo mundo parava no lugar, esperava o carro passar e a gente continuava (risos)", lembra Julio Cesar.

Depois daquele dia, o goleiro não parou mais de crescer no futebol. Ganhou tudo o que disputou no salão do Grajaú. A faixa de tetracampeão estadual é guardada até hoje por Dona Fátima em uma sacola com dezenas de outras. Até que veio a chance de fazer um teste no Flamengo, o clube do coração, em 1992. Ricardo Vandejão, técnico do Grajaú na época, fazia um estágio na Gávea quando soube de Liminha, ex-jogador rubro-negro, que o clube estava atrás de um goleiro de 1979. Julio Cesar havia nascido em 3 de setembro daquele ano. Não demorou para fazer testes.

"Quando soube que iria fazer teste no Flamengo não acreditei. A família é toda flamenguista. Fiz uma semana de experiência. Nossa, foi horrorosa (risos). O gol era bem maior do que o de futebol de salão. Então corria atrás da bola, gol. Corria atrás da bola, gol. No futebol de salão o gol era pequeno. Só pulava no lugar. Não fazia aqueles saltos do gol", disse Julio Cesar.

"Ele chegava em casa e falava: "mãe, não vou ser aprovado, não. O gol é muito grande. Tudo o que chuta entra" (risos)", lembra o pai Jenis.

Mas após ser bombardeado pelos outros garotos e buscar muitas bolas na rede, veio o alívio.

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"Pensei que não ia passar. Mas o primeiro nome dos aprovados que falaram foi o meu. Cheguei em casa fazendo festa e gritando: "mãe passei, mãe passei!""

Caminho complicado até os profissionais

Depois do entusiasmo, a dura realidade. Com a rotina de treinos, Julio Cesar não tinha mais tempo para nada. Treino no Flamengo pela manhã, seguido de colégio e treino no futsal do Grajaú no fim da tarde. Algo puxado para um garoto de 13 anos. Foi quando entrou em cena o apoio e a determinação da mãe.

"Eu não gostava muito de futebol de campo. Curtia mais o futebol de salão. Mas ela me acordava cedo para me levar para treinar no Flamengo. Era muito cansativo. Queria largar. Eu levantava por volta das 6h da manhã e chegava em casa às 22h todo destruído. Tinha que escolher um ou outro. E falava (para a mãe) que queria o futebol de salão. Mas aí às 6h da manhã do dia seguinte ela vinha e me acordava de novo! (risos). Era brabo", disse Julio Cesar.

A mãe Fátima nasceu em Pernambuco, mas foi levada pela família para o Rio de Janeiro aos dois meses. Foi registrada por aqui em Piabetá, no município de Magé. Conheceu o marido Jenis aos 14 anos. Teve uma vida difícil, mas com muita luta criou os três filhos. Uma dedicação capaz de não deixá-lo desistir do sonho de jogar no Flamengo.

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"No primeiro dia ele chegou para mim chorando "mãe eu não vou mais porque estou todo dolorido". E eu falei "filho você fez o teste e passou. Vai perder uma oportunidade dessas?"", lembra Fátima, que precisou ficar ainda um bom tempo incentivando o caçula a continuar lutando.

"Para levantar era um sufoco. E eu falava "não filho, vamos sim". Passava um tempo e ele falava "mãe, esse gol é muito grande. Quando eu penso que a bola está ali, ela já passou". E eu respondia "meu filho, com o tempo você vai se acostumar"".

Julio Cesar, então, precisou escolher. E largou o futsal para se dedicar só ao Flamengo. Mas a separação foi difícil. Certa vez foi chamado para participar de uma competição intermunicipal pelo Grajaú. Pediu permissão ao clube carioca para jogar. Foi liberado e, mais uma vez, campeão. Mas a felicidade logo acabou ao retornar ao Rubro-negro. E veio a surpresa. Foi colocado para treinar separado e descobriu que seria dispensado. Ficou arrasado.

"A sorte foi que eu encontrei o Isaías Tinoco no aeroporto e contei a história. Não estavam agindo certo com o Julio, mas o Isaías me acalmou e falou para ele ir treinar normalmente que nada iria acontecer", recorda o pai Jenis.

Problema resolvido, Julio Cesar rapidamente virou uma promessa no Flamengo. Ele sempre foi "apresado". Nasceu prematuro com sete meses e 18 dias. Deu um susto na mãe Fátima quando deu os primeiros passos já aos oito meses. Aos 17 anos, estreava como profissional no gol do rubro-negro. O dia é inesquecível para a família: dia 13 de maio de 1997. Entrou na fogueira contra o Palmeiras em um jogo decisivo da semifinal da Copa do Brasil após o titular Zé Carlos se machucar. Fechou o gol e o Flamengo se classificou para a final.

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No jogo seguinte, em um Fla-Flu, Julio Cesar não evitou a derrota, mas defendeu um pênalti na partida. Foram dez jogos nos profissionais, seis gols sofridos e o título da Copa dos Campeões Mundiais. Mas o Flamengo achou melhor contratar Clemer junto a Portuguesa para o início do Campeonato Brasileiro. E Julio Cesar voltou a se dividir entre a reserva e os juniores para não perder o ritmo.

"Na época como pai você deixa a emoção falar. Mas o Flamengo não agiu errado quando não deixou o Julio César começar o Brasileiro e trouxe o Clemer", disse o pai Jenis.

Foram só cinco jogos entre os profissionais em 1998. Nenhum em 1999. E ainda precisou viver uma situação embaraçosa com Romário.

"Ele não vai lembrar disso (risos). O Romário apostava na época no rachão com todos os outros jogadores. E calhou de eu cair no gol do time dele. Eu tinha tomado uns gols meio esquisitos lá. Aí ele ficou "p" da vida e foi lá no gol e falou "sai". Aí me tirou do treino. Vou fazer o quê? Hoje dá para pegar o Baixinho. Estou maior do que ele. Naquele época não dava (risos). Mas o Baixinho é gente boa".

Mas em 2000 finalmente chegou a hora do jovem goleiro. Julio Cesar ganhou uma chance e não saiu mais do time. Titular do clube de maior torcida do Brasil logo aos 21 anos. Algo improvável para um goleiro, normalmente valorizado pela experiência.

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Um dos heróis do tricampeonato estadual de 2001, Julio Cesar sofreu com campanhas ruins nos Campeonatos Brasileiros. Mas escapou das críticas em todas. Com demonstrações de amor ao clube e defesas milagrosas logo tornou-se ídolo. E retribui o carinho da torcida até hoje mesmo morando há seis anos na Itália.

"Ele é roxo. É flamenguista mesmo. Tudo o que acontece ele sabe", disse Jenis Espíndola.

"O Brasil havia acabado de vencer os Estados Unidos por 3 a 2 e conquistado a Copa das Confederações e ele pegou o telefone meia hora depois do jogo para me ligar. "Júnior... como é que está o Flamengo?", ele perguntou... Era Fla-Flu naquele dia. E eu falei "cara, vai comemorar, você acabou de ser campeão" (risos)", lembra o irmão Júnior.

Amadurecimento e seleção brasileira

A história de Julio Cesar na seleção brasileira começou de forma dolorosa. Em 2002, o goleiro tinha esperança de ser chamado como terceiro goleiro para a Copa do Mundo. Ele tinha sido convocado duas vezes para amistosos contra Bolívia e Arábia Saudita. Mas, na hora H, Felipão preferiu Rogério Ceni, que estava então com 29 anos.

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"Ele tinha a esperança de ser chamado. Quando não foi convocado começamos a andar no condomínio que morávamos no Recreio. Ele estava com aquele semblante de choro, mas ele segurou. Procurou não passar a tristeza", lembra Júnior.

Com o baque, Julio Cesar amadureceu. Passou a controlar mais o temperamento, que era inflamado e rendia críticas. O psicólogo do Flamengo Paulo Ribeiro considera que a decepção foi o primeiro passo para o goleiro virar um profissional mais cabeça e menos coração. As atitudes imaturas do início da carreira aos poucos foram ficando no passado. O casamento com a modelo e atriz Susana Werner também contribuiu para o surgimento de um "novo Julio Cesar".

Os dois se conheceram quando ela era apresentadora do programa Surreal, do SporTV. Julio Cesar foi convidado para participar uma vez e se encantou com a beleza de Susana Werner. O namoro não demorou para começar. O casamento aconteceu em abril de 2002, na Igreja da Candelária. Cauet, o primeiro filho, veio logo em seguida, em 2003. O casal tem hoje também uma filha, Julia.

A entrada de Susana Werner na vida do goleiro da seleção brasileira também mudou os seus hábitos. Ele ficou mais caseiro, esqueceu as boates e passou a gostar de programas não tão comuns na vida de jogadores de futebol como apreciar uma bom fondue, jogar golfe e tocar piano. Na Itália, Julio Cesar tem aulas semanais e já aprendeu, por exemplo, o "Tema da Vitória", imortalizado com Ayrton Senna.

A primeira chance na seleção brasileira surgiu em 2004, na Copa América. Julio Cesar brilhou e foi um dos destaques da conquista do título com ótimas defesas contra o Uruguai e a Argentina. As atuações seguras chamaram a atenção do técnico Roberto Mancini e o levaram para o Inter de Milão, da Itália, em 2005. Mas o que era um sonho se transformou na fase mais difícil da carreira.

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Como o Inter já tinha esgotado a cota de estrangeiros, ele não pode ser registrado. Julio Cesar foi, então, emprestado ao Chievo, clube italiano de menor dimensão, mas não poderia jogar. No início, o goleiro viu este período em terras italianas muito úteis no processo de adaptação a uma nova cultura. Mas logo surgiram as incertezas. A ida para a Copa do Mundo de 2006 ficou ameaçada.

"Dei um passo para trás para depois dar dois à frente. Mas foi o período dentro do futebol mais complicado que eu vivi".

Hoje, Julio Cesar até lembra de uma história engraçada que viveu em Verona. Ele treinava no Chievo quando chegou de surpresa ao clube o então preparador de goleiros do Inter, Massimo Battara, para uma conversa.

"O cara começou a colocar uma pressão psicológica para cima de mim impressionante. Não estava entendo qual era a dele. Ele começou a falar que o Inter era assim e assado. Que a torcida era assim, que o treinador tinha muita confiança em mim... pó, eu tinha vindo do Flamengo. Com todo respeito, em termos de pressão e de uma série de coisas, com o Flamengo batia, era igual. Aí falei na lata. Tudo bem, mas quanto tempo o Inter está sem ganhar um título? Você está falando um monte de coisas, mas o Inter não ganha um título desde 1989. Aí ele ficou pensando... (risos). Mas eu amadureci muito com ele. Foi muito legal".

"Cesinha" faz sucesso na Itália

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Em Milão, Julio Cesar não demorou a colocar Francesco Toldo, titular da seleção italiana e "craque" da Eurocopa de 2004, no banco de reservas. Mesmo assim, não abandonou a camisa 12. Ídolo no futebol italiano, conquistou todos os Campeonatos Italianos que disputou até hoje com o Inter.

Se Julio Cesar era nome mais do que certo na lista de Dunga, em 2006 o goleiro viveu momentos de suspense. Após a decepção da Copa de 2002, ele não tinha a certeza da convocação.

"Em 2006 estava na casa dos meus pais. E todo mundo na frente da televisão ligadão. É um momento bacana. Se não me engano tinha sido por ordem alfabética. E eu doido para chegar ao "J". Quando falou o meu nome foi aquela festa. Porque é a realização de um sonho. Tudo o que você planeja desde pequeno - disse Julio Cesar, que chorou abraçado ao irmão Júnior logo após escutar o nome ser anunciado na TV".

Após a Copa de 2006, Julio Cesar ficou fora do início de trabalho de Dunga por causa de algumas lesões. O treinador testou Gomes, Helton e Doni na seleção. Mas uma atuação contra o Uruguai, no Morumbi, pelas eliminatórias, foi marcante e decisiva para conquistar a camisa 1. De coadjuvante, Julio Cesar virou protagonista na seleção.

Sob olhares desconfiados e diante da pressão da torcida paulista para a convocação de Rogério Ceni, Julio Cesar fechou o gol contra os uruguaios. Desde então, o goleiro acumulou atuações memoráveis pela seleção brasileira e é um dos líderes do grupo. Sob o comando de Dunga, foram 36 jogos e apenas 21 gols sofridos.

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"O Cesar sempre foi muito dedicado. Merece tudo isso", disse a mãe Fátima.

Cesar?

"Eu não consigo chamá-lo de Julio. Aqui em casa é Cesar ou Cesinha. Julio Cesar só na bronca (risos)", completa.

Se Julio Cesar é um personagem do mundo, Cesinha é conhecido por poucos. Quando o goleiro da seleção brasileira escuta um chamado assim sabe que se trata de alguem especial, de uma amizade antiga.

"Se me chamarem de Cesinha eu já sei que é a rapaziada de infância".

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Julio Cesar, ou melhor, Cesinha... o nosso paredão na África do Sul.

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