Elizabeth Rodolebe e Samuel Moyahakathi fugindo do frio no quintal: segregação ainda persiste| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo – enviado especial

O apartheid ainda não terminou para Samuel Moyahakathi e Eli­­zabeth Rodolebe. Negros, idosos e desempregados, o casal vive à margem da sociedade, sozinhos, es­­condidos em uma favela de nome Sonnerwates, à beira de uma rodovia secundária que liga a pequena Sharpeville à poderosa Johan­­nesburgo.

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Para eles, ainda funciona como antigamente. É como se a luta de Nelson Mandela pelo fim da segregação racial que dividiu a África do Sul entre brancos e negros até 1992 nunca tivesse existido. A cena chama a atenção. Samuel e Elizabeth, com mais de 70 anos, passam o dia em frente à pequena casa, de aproximadamente 20 metros quadrados. Usam sob o sol um punhado de agasalhos para espantar o frio – o termômetro apontava 5ºC no dia do encontro com a reportagem.

Dentro da casa, a temperatura é ainda mais baixa, por isso a fuga para o quintal. As paredes de latões que sustentam o acanhado lar propagam o frio. Imensas pedras seguram as telhas para que não voem. Mas não há solução para as frestas, caminho de mais vento gelado e umidade. "Por que moramos aqui? Simples. Somos pobres, não temos dinheiro", explica Samuel, abrindo um sorriso quando fica sabendo que os curiosos à porta são brasileiros.

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O casal vive na área de ocupação irregular há quase seis décadas. Viram a favela explodir. Os barracos que antes se contava com os dedos já passavam de mil. E há gente chegando a cada dia. Todos com histórias de vida semelhantes.

Samuel nunca teve uma profissão fixa. Viveu de bicos. Elizabeth se dedicou ao lar. O trabalho informal não permitiu que se aposentassem. Vivem sem renda, da caridade alheia. "Nunca recebi dinheiro do governo. O pouco que temos é porque os outros nos dão", diz Samuel. Elizabeth apenas concorda com a cabeça.

A região carrega todas as características de uma área degradada. Há muitos desempregados em Son­nerwates. Ócio que gera bebedeiras, envolvimento com drogas, e, por consequência, violência. O carro estacionado em frente à ocupação e a conversa com Samuel e Eli­­zabeth chamam a atenção. Como é comum em favelas sul-africanas, não demora para os curiosos verificarem o que está acontecendo. O ambiente fica pesado. Mais dois, três minutos de bate-papo e a saída é ir embora. Em tempo ainda de Sa­­muel reclamar mais um pouco da administração de Jacob Zuma – e de seus antecessores na presidência. "Ficamos perdidos, esperando que nos ajudem. Mas isso não acontece", diz, recebendo de no­­vo a concordância de dona Elizabeth.

Impassível, sentados nas cadeiras, eles acenam de longe para se despedir. Era só o começo da tarde e ainda havia muito sol para Samuel e Elizabeth se "curarem" do frio.