A África do Sul é bem mais do que a Copa do Mundo. Mas é inegável que o Mundial serviu para se desmistificar um pouco o país de Nelson Mandela. Enquanto a bola rolava nos estádios, com os seus 64 jogos, aos poucos as oito sedes da competição foram se abrindo para o público do resto do mundo
A cultura, a história, os costumes, os mártires, o jeito de se viver por aqui. Pouco a pouco, nesta página nomeada de "Fim de Jogo" o leitor da Gazeta do Povo pode se surpreender com matérias que, antes, já haviam surpreendido os repórteres.
A mim, Marcio Reinecken, coube a maior parte da incumbência de contar essas histórias. Mas várias vezes a tarefa foi dividida com os jornalistas Carlos Eduardo Vicelli e Robson De Lazzari, além dos repórteres fotográficos Albari Rosa e Valterci Santos. Foi esse time o responsável pelo sorriso do leitor ou, outras tantas vezes, pelo silêncio que serviu para a reflexão.
Ainda não me sai da cabeça a primeira matéria escrita aqui, no dia 6 de junho. Tratava de uma vila criada apenas para cuidar de pessoas, em sua maioria crianças, portadoras do vírus HIV. Sabíamos desde antes de sair do Brasil que a estimativa era de que a cada dez sul-africanos, um está infectado. Mas eram apenas números.
Quando as estatísticas são transportadas para vida real, no entanto, é difícil de explicar. O que dirá escrever o que se sente. Ainda continuo descrevendo esse misto de emoções com a última frase daquela matéria. Nós estávamos indo embora, quando o gerente do local nos perguntou: "Não são crianças normais?". Ao que respondemos de coração: "Sim, são crianças normais."
Desde aquele dia até hoje, passaram por aqui 37 matérias, quase o mesmo número de diferentes temas. Às vezes, simples curiosidades, como as policiais que ficam diariamente escondidas atrás de árvores ou placas, com radares pré-históricos, multando os motoristas sul-africanos quase sem propósito. Afinal, por aqui, poucos pagam as multas de trânsito até abril, elas eram julgadas junto dos crimes comuns, e normalmente arquivadas pela morosidade da Justiça.
Em boa parte, as matérias que produzimos por aqui surgiram simplesmente do fato de circularmos pelas cidades. E não apenas ficarmos naquele tradicional circuito: hotel, treino da seleção, hotel, estádio, hotel... Assim, por exemplo, foi que descobrimos a forma curiosa como vários negros sul-africanos substituem dentes bons por uma peça de ouro, como status. Ou então que cortar cabelo, aqui, é quase como engraxar sapato no Brasil. É feito na rua e não é prática apenas utilizada pela classe baixa.
Vale ressaltar uma curiosidade na produção desse tipo de textos/fotos no país da Copa. O medo é algo quase sempre presente, afinal não se conhece nada do lugar, e a fama de violência, por vezes, vimos confirmada com colegas de profissão, que foram assaltados.
Duas investidas, em especial, servem como exemplo disso, mas com facetas diferentes. A primeira, quando fomos em uma feira de ervas zulu. Encontramos apenas uma pessoa que falava inglês, nos entendemos como deu até chegar alguém estranho, que nos falou todo tipo de coisas que o nosso entrevistado se negou a traduzir. Tivemos de sair praticamente corridos do lugar. Valeu a lição: ficar o menor tempo possível nesses lugares estranhos. A maioria das pessoas que encontramos são boas, mas a presença de um estrangeiro logo chama a atenção dos marginais.
Assim, quando encontramos próximo ao Ellis Park, um morro com pessoas rezando, com vestimentas estranhas, paramos o carro e ficamos a espreita. Assustados, caímos fora logo depois que vimos dois homens andando em nossa direção. Só retornamos após uma senhora nos convencer que ali não havia problema. Na verdade, naquela dia, a movimentação da reza era para pedir sorte ao Bafana Bafana. E o lugar enchia de gente, pois, na cidade, a área seria a "mais próximo do céu".
Entre o curioso e o diferente, também existe uma série de assuntos que são conhecidos de todos e, nem por isso, desinteressantes. Aí, colocamos o safári, o berço da humanidade, o artesanato, a segregação, entre outros. E talvez estes tenham sido os nossos maiores desafios. Pois foi necessário encontrar algo novo em lugares e fatos que a todo momento estavam sendo revisitados ainda mais no período de Copa do Mundo. Não tenho como afirmar com certeza que conseguimos passar isso ao leitor, embora esperamos que sim.
Deixei esses últimos toques para falar sobre uma matéria que me marcou bastante, mesmo que tenha sido apenas por ter visitado o local: Kyalami, o circuito onde Ayrton Senna marcou o seu primeiro ponto na Fórmula 1. Não existia nada na pista que fizesse lembrar de Senna. A maioria dos funcionários do autódromo nem era nascidos em 1984. Mas o simples fato de se estar longe do Brasil natal, pisar na reta dos boxes e lembrar da Tolemann do brasileiro... Foi uma sensação indescritível.
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