Era junho de 2003. Um dia após o Real Madrid levar o título espanhol, o presidente Florentino Pérez anunciou que não renovaria o contrato de Vicente Del Bosque. O treinador que havia conquistado um mundial, dois europeus e dois nacionais em apenas quatro anos estava dispensado depois de mais uma taça.

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A megalomania de Pérez buscava alguém mais famoso, de roupagem moderna, um técnico "midiático", para usar palavra da moda. Pérez queria grife no comando de seus galácticos. Apesar de vitorioso no campo, Del Bosque não fala inglês, não tem arroubos de estrela, não compra roupas pela etiqueta. Não servia, portanto, porque era "um simples operário espanhol", como definiu um jornalista do país.

Operário talvez seja mesmo o melhor nome para o técnico espanhol. Ele nunca foi um gênio, nem como jogador e tampouco como treinador, mas, assim mesmo, construiu bela carreira. Volante, fez mais de 300 partidas pelo Real Madrid entre 1973 e 1984. Com a camisa espanhola foram 18 participações e um gol.

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Mudou de profissão e passou outros nove anos no Real, entre treinador de categorias de base, auxiliar e técnico do time principal até a demissão de 2003. Teve passagem sem destaque pelo turco Besiktas, logo depois, antes de assumir a seleção em 2008. Agora, na Copa, já igualou a melhor campanha espanhola no torneio e mantém vivo o sonho do inédito título.

Ganhar um Mundial com uma seleção acostumada a perder seria o auge, de fato. Mas Del Bosque prefere não fazer publicidade sobre uma possível conquista. Gosta mais de valorizar seu caminho até aqui.

"Veja, tenho 30 e... aliás, 40 e tantos anos de futebol. Já passei por muitas coisas boas, muitas coisas ruins, então nunca digo que esta data é mais especial que aquela. Não aponto nenhum momento específico da minha carreira, prefiro ficar com minha longa trajetória, em que sempre tentei fazer o melhor possível e assumir as responsabilidades pelos meus atos. Defendi um clube durante 36 anos, foi lá que me eduquei. Agora tento defender da mesma forma a seleção, que representa todos os espanhois", resumiu o treinador, de 59 anos.

Um dia após a classificação para a semifinal, Del Bosque recebeu uma homenagem da imprensa espanhola. Ganhou uma bola com mensagens de jornalistas e muitos aplausos no final da coletiva. O técnico é muito bem visto por quem cobre a seleção. É solícito, educado e profissional mesmo quando enfrenta críticas. A questão do momento é sobre a manutenção de Fernando Torres, que ainda não marcou na Copa, entre os titulares.

"Em geral me sinto bem tratado. Os jornalistas estão apenas cumprindo a função profissional de opinar sobre as coisas. Tenho claro isso. Sei escutar, o que é o mais importante. Há que se ter ideias, princípios, mas também flexibilidade para mudar, se necessário", explicou.

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Com fala mansa, sem mau-humor, Del Bosque vai levando a Fúria na calmaria. Fecha os treinos quando julga necessário, atende a imprensa quase que diariamente, e protege seus jogadores. Só faz críticas públicas quando se refere ao time, de quem já cobrou mais regularidade na Copa. Já as críticas individuais só são ditas internamente "e com bastante tato", ele ressalta. "Ele trabalha na sombra", diz Reina sobre Del Bosque

Foi assim que driblou as reclamações sobre o goleiro Casillas, no início do Mundial, e sobre Torres agora. Do seu jeito, ganha a confiança até daqueles que passam a Copa inteira no banco de reservas.

"Ele não é um treinador de chamar muito a atenção da imprensa. Em geral trabalha na sombra. Mas é muito trabalhador, muito correto, e assim consegue manter um grupo unido. Estamos há um mês e meio juntos e isso nunca é fácil, mas ele faz com que a convivência seja ótima", elogiou o goleiro reserva Pepe Reina.

Se a Espanha passar pela Alemanha, na quarta-feira, Del Bosque já será o primeiro técnico a chegar à final do Mundial com a seleção. Mas com tantos bons jogadores à disposição, a meta clara é o título. Caso ele venha, provavelmente será atribuído em maior parte a David Villa, Casillas, Xavi, Iniesta, aos jogadores, enfim. Del Bosque, afinal, não é craque, muito menos "Special One", como o novo comandante do Real, José Mourinho. Del Bosque é apenas um técnico de futebol. Simples assim.