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As críticas à falta de um legado mais robusto da Copa do Mundo são conhecidas. Mas há também quem esteja se sentindo prejudicado pelo evento. São moradores, comerciantes e trabalhadores que reclamam da zona de restrição – um raio de 2 quilômetros no entorno da Arena da Baixada, onde será preciso estar cadastrado para circular em dias de jogos e o comércio não poderá promover marcas concorrentes com as do evento da Fifa. Conheça as histórias de alguns desses personagens, que formam um exército de 40 mil pessoas que circulam no entorno da Arena.

INFOGRÁFICO: Veja o perfil do entorno da Arena da Baixada

Sem estacionamento

Fotos: André Rodrigues/ Gazeta do Povo

Durante os três anos de obras na Arena da Baixada, a aposentada Mary Marly Ferreira, 72 anos, deixou de lucrar, pelo menos, R$ 160 por mês com o estacionamento de carros de torcedores no quintal de sua casa, na Brasílio Itiberê. "Até agora, essa Copa me trouxe mais prejuízo do que benefício. Mas espero que depois a gente possa voltar com nosso negócio". Lucro com a Copa, a aposentada até teve, mas inferior ao que teria se o estádio não tivesse sido fechado para reforma. Ela alugou seu quintal para instalação de uma antena da TIM por um valor equivalente a três meses da arrecadação com jogos.

No prejuízo

Marcelo Costa, 41 anos, é gerente de um posto de combustíveis na Rua Brigadeiro Franco. Com a proibição aos carros, estima uma arrecadação 70% inferior nos dias de jogos. "Teremos mais movimento na conveniência, mas isso não deve compensar a restrição", afirma. A loja do posto ainda deverá ser modificada em função da Copa. As geladeiras que ficam na frente dela devem ser todas trocadas por modelos do patrocinador do evento. Com o espaço sobrando nos dias dos jogos, Costa ainda cedeu o posto para estacionamento de veículos da Polícia Militar e da delegação da Austrália, uma dos oito seleções que vêm a Curitiba.

Portas fechadas

Proprietário do Restaurante Peixinho, instalado na Rua Chile, área de passagem de frequentadores da Arena, Dinar Müller não está muito animado com a Copa. O desânimo chega ao ponto de ele pensar em não abrir as portas nos dias de jogos. "Apesar de a prefeitura ter tentado nos injetar ânimo, já previa que [a Copa] não seria tudo aquilo. Se realmente não puder estacionar o caro na rua, não tem porque abri-lo", afirma o empresário. A esperança, porém, deve ser em vão: a rua em que está o restaurante já está devidamente sinalizada com placas de "Proibido Estacionar".

Trabalho impedido

Migrante do país que sediou a última Copa do Mundo, Mathys Marthinue Beystell, 28 anos, foi pego de surpresa com a zona de restrição. Ele é catador de material reciclado e imaginava que poderia circular com sacolas dentro do entorno da Arena nos dias dos jogos – algo impossível de ocorrer sem credencial. "Tenho uma filha de 11 meses e fico imaginando como vou sustentá-la", afirma o sul-africano, que diz retirar 280 kg de material reciclado por dia das ruas do Água Verde. Nos quatro dias de jogos, isso daria mais de uma tonelada. Da Copa, inclusive, ele diz abrir mão. "Meus parentes que estão na África não tiveram benefício."

À espera do retorno

Instalado quase em frente a uma das entradas da Arena da Baixada e com mesas da cervejaria patrocinadora da Copa, o Bar do Alemão deve funcionar nos dias dos jogos e espera lucrar com isso. "Fizemos um investimento alto em estrutura, como chapa e cozinhas novas, e esperamos um movimento maior", diz Christopher Vellozo, 26 anos, neto do "Alemão", dono do bar instalado no Água Verde há mais de 20 anos. O local, inclusive, deve reajustar seus preços durante os jogos, mas nada que se compare com o que será cobrado dentro do estádio. "Precisamos recuperar o que for investido e os custos também serão mais altos".

"Além de não ganhar, vou perder"

A frase é de Rodrigo Hayashi, 26 anos, dono de um estacionamento na Avenida Presidente Getúlio Vargas. O esperado benefício cruzado que o evento traria para empresários da região não chegará a Hayashi porque veículos não cadastrados estão impedidos de circular na região em dias de jogos e mesmo os que tiverem credencial não poderão fazê-lo durante sete horas em cada dia de jogo. O empresário chegou a ligar em estacionamento de Belo Horizonte para saber como foi durante a Copa das Confederações e até para a secretaria da Copa de Curitiba, mas se desiludiu. "Comprei ingressos para os quatro jogos. Mas, como cidadão, devo dizer que essa organização está péssima."

Conforto de lar, preço de hotel

A internet está repleta de anúncios de imóveis para locação durante o período da Copa do Mundo. Aqui, as diárias variam de R$ 1,5 mil a R$ 4 mil em imóveis que comportam até 15 pessoas. Para alguns, porém, a procura ainda tem sido menor do que o esperado. "Recebi uma proposta por um mês, mas não aceitamos porque seria tempo de mais longe de casa", afirma a proprietária de um apartamento na Rua Tenente Max Wolf Filho, que foi incentivada a alugar seu imóvel por uma amiga que mora no Rio de Janeiro. "Mas lá é outra história", sorri a curitibana.

Fora da Arena

Uma das moradoras mais antigas do Água Verde e viúva do ex-jogador Neno, ídolo do esquadrão do Atlético de 1949, Ivette Nilsa Freitas Lançoni, 89 anos, ainda não tem ingressos para a Copa. E também não deve conseguir reunir em sua casa a família para ver Brasil x Camarões – partida que coincide com Austrália x Espanha, na Arena. Isso porque ela é vizinha do estádio atleticano e nenhum dos seus 18 netos e bisnetos se credenciou para circular no bairro em dias de jogos. "Acho um absurdo ter de se credenciar para andar dentro do seu próprio bairro", reclama a filha Ana Lucia Lançoni, 56 anos.

Restrições não foram iguais na Alemanha

As regras da chamada zona de restrição nem sempre são as mesmas durante a organização de uma Copa do Mundo. No mundial da Alemanha de 2006, as áreas ao redor dos estádios até tiveram restrição comercial e de veículos, mas documento da Fifa revela que a proibição não se caracterizou como uma zona de exclusão, como no Brasil.

"Haverá zonas de exclusão (2 km ao redor dos 12 estádios da Copa)?", pergunta o documento aos torcedores. A resposta é clara: "Não haverá zonas de exclusão. O comitê de organização, a Fifa e as cidades criaram apenas zonas controladas. Nessas áreas, não podem ser organizados eventos alternativos durante os dias de jogo ou no dia anterior ao jogo".

Além da livre circulação, a Alemanha conseguiu liberar a venda de cervejas fabricadas no país nas arenas sob a justificativa de que o produto é um patrimônio cultural alemão. No Brasil, apenas marcas dos patrocinadores poderão ser vendidas nos estádios. No entorno, bares e restaurantes até poderão vender esses produtos, mas sem promovê-los.

No Facebook, a prefeitura de Curitiba explica que a zona de restrição é um procedimento padrão das Copas do Mundo e que o país sabia disso quando se candidatou ao evento. Já a Fifa argumenta que a medida visa coibir o chamado "marketing de emboscada" (promoção de marcas que não patrocinam a Copa e querem lucrar com ela) e garantir a segurança e a mobilidade de quem estiver na região. A entidade não diz, porém, os motivos de a restrição ter sido menos rígida na Alemanha.

Ir e vir

"Medida é uma afronta constitucional", diz especialista

Para Mamede Said, professor de Direito Constitucional da Universidade Nacional de Brasília (UnB), a Lei Geral da Copa afronta a Constituição Federal Brasileira e o Governo não poderia ter cedido direitos fundamentais do país a Fifa. "O direito de ir e vir é tão fundamental que não pode ser restringido por lei alguma. Apenas a própria Constituição pode revogá-lo, por exemplo, durante o estado de sítio", argumentou o advogado.

A Lei Geral da Copa chegou a ser objeto de análise do Supremo Tribunal Federal (STF), mas o órgão a julgou constitucional. Entre os itens avaliados pelos ministros do Supremo, estava a responsabilização civil da União em caso de falhas na segurança. "A segurança pública não é algo delegável. Acredito que o governo federal deveria ter tido certa dose de malícia nas negociações com a Fifa e não poderia ter cedido direitos fundamentais", analisa Said.

Quem deve se credenciar

Moradores, comerciantes ou trabalhadores que queiram ou precisem circular nos dias de jogos na área restrita. Moradores também podem cadastrar visitantes e hotéis devem cadastrar seus clientes. Até ontem, a Prefeitura já havia entregue 30 mil credenciais e recebido 50 mil pedidos de cadastro pela internet.

Como se cadastrar

O pedido de credenciamento deve ser feito no site do Ippuc. A credencial deve ser retirada na Praça Ouvidor Pardinho, das 8 às 21h. Os 15 guichês ficarão disponíveis no local até o dia 25 de junho (exceto em dias de jogos). A pessoa deve portar RG e comprovante de residência com menos de três meses de emissão. Trabalhadores da região devem mostrar o RG e também um comprovante de vínculo empregatício e do endereço onde trabalham.

Como funciona a zona de restrição

Quatro horas antes dos jogos e até duas horas depois deles, apenas moradores e trabalhadores credenciados , assim como portadores de ingressos, poderão circular a pé pela zona de restrição.

A partir de zero hora do dia do jogo, até duas horas após a partida, não será permitido o estacionamento de veículos nas ruas do entorno da Arena. Os carros que estiverem estacionados poderão ser guinchados.

Seis horas antes do início da partida serão ativados Pontos de Verificação Veicular (PVV). Nesse horário, será permitida a entrada e saída apenas de veículos credenciados.

Quatro horas antes do início do jogo e até duas horas depois, nenhum carro poderá circular na zona de restrição. Nem mesmo veículos credenciados. Deslocamentos de emergência serão feitos por ambulâncias, bombeiros ou outros veículos oficiais.

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