Um incêndio em um dos estádios da Copa do Mundo do Brasil, em outubro, pode ter causado mais danos do que o anunciado anteriormente, de acordo com um relatório do promotor público local, obtido pela Reuters, levantando dúvidas sobre se o estádio estará pronto para a competição e por que os funcionários do governo insistiram em dizer que o incêndio foi sem importância.
Autoridades oficiais do estado que supervisionam a construção da ainda inacabada Arena Pantanal, na cidade de Cuiabá, que está entre as 12 cidades brasileiras programadas para sediar jogos, dizem há tempos que o incêndio de 25 de outubro não é um grande motivo de preocupação.
No entanto, o relatório de 18 páginas preparado em dezembro pelo Ministério Público do estado de Mato Grosso alertou que o incêndio causou "danos estruturais" que "poderiam comprometer a estabilidade global da construção".
"Ressalta-se que, a perda de resistência destes elementos podem comprometer a estabilidade global desta construção", diz um trecho do relatório obtido pela Reuters.
"Recomenda-se, fortemente, que seja verificada, por meio de ensaios, os reais danos sofridos pela estrutura", prossegue. O "concreto foi completamente desfragmentado", diz o texto.
O relatório foi entregue em dezembro para a agência estatal que supervisiona a construção do estádio a Secretária Extraordinária da Copa do Mundo de 2014, ou Secopa. Os promotores permitiram que a Reuters tivesse acesso ao documento, cujo conteúdo não foi previamente divulgado ao público.
Não está claro se os danos descritos no relatório já foram corrigidos. Os promotores pretendem realizar uma inspeção de acompanhamento do local atingido pelo fogo na próxima quinta-feira, e disseram que esperam que a divulgação do conteúdo do relatório leve as autoridades locais a serem mais cooperativas e transparentes do que têm sido até agora.
Funcionários do governo de Mato Grosso continuam dizendo que o incêndio não causou danos estruturais.
"Tem sido impossível obter boas informações até agora", disse Clóvis de Almeida, promotor do Ministério Público. "Vamos garantir que nenhum jogo aconteça (no estádio) até que a segurança esteja completamente garantida."
Almeida faz parte de uma unidade especial de promotores encarregada de monitorar as ações do governo do estado enquanto ele se prepara para a Copa do Mundo.
A FIFA, organizadora da Copa do Mundo, disse que "não tinha conhecimento" de qualquer dano estrutural causado pelo fogo, embora tenha dito que suas próprias inspeções recentes não indicaram grandes consequências. A FIFA vai "verificar novamente" a obra com base nas alegações feitas no relatório, disse à Reuters por telefone, no sábado, a porta-voz, baseada em Zurique, Delia Fischer.
O Ministério Público Federal de Mato Grosso anunciou na quinta-feira que está abrindo sua própria investigação sobre o incêndio, baseado no relatório do órgão estatal.
O incêndio e os relatos conflitantes e suas consequências levantam novas dúvidas sobre se o Brasil estará pronto para receber os cerca de 600 mil visitantes estrangeiros esperados para assistir aos jogos da Copa do Mundo de 12 de junho a 13 de julho. Diversos estádios sofreram com repetidos atrasos na construção e uma onda de acidentes que mataram seis trabalhadores.
A construtora Mendes Junior, responsável pela obra, encaminhou todas as consultas da imprensa para a Secopa. O chefe da entidade, Mauricio Guimarães, disse em uma entrevista na quinta-feira que "todos os relatórios que temos dizem que não houve dano estrutural".
Autoridades minimizam risco
O incêndio, que a polícia diz que pode ter sido proposital, ocorreu no subsolo de uma das duas principais arquibancadas, que vão receber cerca de 10 mil pessoas.
No sábado, em resposta às perguntas específicas da Reuters sobre o relatório do Ministério Público, a Secopa enviou uma declaração reiterando que tinha recebido os relatórios "garantindo que não houve danos estruturais na Arena Pantanal, e que todos os reparos necessários no local atingido pelo fogo já foram feitos."
O relatório do Ministério Público inclui fotos de rachaduras nos pilares de concreto que, segundo o órgão, fazem parte da estrutura principal do estádio.
"Foi enfatizado que a perda de resistência desses elementos poderia comprometer a estabilidade geral da construção", diz o relatório, que foi baseado em uma inspeção feita pelo engenheiro civil independente, Jonathan Almeida Nery.
De acordo com o relatório, outras fotos mostram "completa decomposição" do concreto no teto acima de onde o incêndio aconteceu, assim como danos "menos graves... mas importantes" à estrutura de aço do estádio.
O estudo termina com Nery fazendo uma "forte recomendação para que o dano real sofrido pela estrutura seja verificado através de testes."
Não ficou claro se a construtora realizou tais testes desde que o incêndio aconteceu.
Contatado por telefone no sábado, Nery confirmou o conteúdo do relatório e disse que ele estava "aliviado" porque suas conclusões estavam sendo divulgadas ao público. Ao ser questionado sobre por que as autoridades locais seguem dizendo que o incêndio não causou danos estruturais, ele disse: "Não sei. Até os engenheiros no local disseram que havia danos."
Nery acrescentou que ele acreditava que os problemas no estádio eram "solucionáveis" se forem tratados de forma adequada.
A Arena Pantanal é um dos cinco estádios brasileiros que estão com as obras atrasadas, tendo perdido o prazo marcado para dezembro, para o término da construção. A FIFA alertou que as instalações inacabadas poderão ser excluídas do torneio, com o atraso mais preocupante sendo o do estádio da cidade de Curitiba.
Qualquer exclusão custaria milhões de dólares para as cidades e seria um enorme constrangimento para os políticos locais e os organizadores da Copa do Mundo.
Suspeita de incêndio criminoso
Fischer, a porta-voz da FIFA, disse por e-mail que a organização de futebol estava ciente apenas que "material de isolamento, tubulações, cabeamento elétrico, cabos elétricos, linhas de transmissão e quadros de distribuição, etc., (foram) danificados pelo incêndio."
O primeiro teste pré-Copa do Mundo marcado para essa instalação é um jogo entre times brasileiros no começo de abril.
O secretário geral da FIFA, Jerome Valcke, visitou o canteiro de obras no mês passado.
Um repórter da Reuters fez uma visita guiada pela Arena Pantanal na quinta-feira, acompanhado por um porta-voz da Secopa e por um representante da Mendes Junior. A construtora não permitiu que o repórter tivesse acesso à área afetada pelo incêndio, porque ela estava "em construção" de acordo com o porta-voz.
A causa do incêndio ainda é um mistério.
Os investigadores acreditam que o fogo começou com isopor e que foi "de natureza criminosa", envolvendo negligência ou incêndio criminoso, disse Luciene Oliveira, uma funcionária da policia do estado de Mato Grosso.
Executivos da Mendes Junior acreditam que um funcionário da obra, insatisfeito, que já deixou de trabalhar na construção, tenha começado o incêndio, disse à Reuters, uma fonte com conhecimento da investigação.
Luciene não quis comentar essa possibilidade, mas disse que a policia está procurando uma testemunha que, ela acredita, fugiu para o interior do estado.
O estádio não é o único ponto da preparação de Cuiabá a enfrentar problemas. Um novo sistema de VLT (veículo leve sobre trilhos) de 700 milhões de dólares que estava previsto para estar pronto para a Copa do Mundo só deve ser concluído até dezembro, cinco meses depois do fim do campeonato, disse Guimarães.
Um novo terminal de aeroporto também sofreu atrasos, com o trabalho continuando ainda na estrutura externa. Guimarães disse que o aeroporto existente poderia cuidar da demanda durante a Copa, caso a nova estrutura não fique pronta a tempo.
Os jogos da Copa do Mundo programados para acontecer em Cuiabá são: 13 de junho, Chile X Austrália; 17 de junho: Rússia X Coréia do Sul; 21 de junho: Nigéria X Bósnia e 24 de junho: Japão X Colômbia.
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