Principais mudanças do RDC
Contratação integrada atualmente, nas obras de grande porte, cada fase de execução demanda uma licitação diferente. O RDC elimina essa necessidade e a mesma empresa toca a construção do início ao fim.
Orçamento no modelo tradicional, o governo faz o projeto básico da obra e define quanto pretende gastar. A empresa usa esses dados para prever o custo da benfeitoria. Pelo regime de exceção (para Copa 2014 e Olimpíada 2016), o governo entrega um anteprojeto às construtoras e promove um orçamento sigiloso de despesas só os órgãos fiscalizadores terão acesso a esse número. Cada empreiteira cria seu projeto, que deve se enquadrar na estimativa elaborada pelo governo.
Nova ordem a habilitação jurídica (estudo dos documentos) é normalmente a primeira etapa das licitações. O RDC inverte o processo e apenas as empresas que tiverem os projetos aprovados precisam passar pelo pente fino. Seriam, então, menos documentos para serem analisados.
Ricardo Teixeira, presidente da CBF, declarou após a escolha do Brasil para abrigar a Copa de 2014 que não seria investido dinheiro público nos estádios. A bravata política vem sendo confirmada pelos números. Apesar de a precariedade da rede de fiscalização e de os projetos apresentados pelas construtoras incompletos manterem sob suspense os custos finais das obras, as contas oficiais apontam para uma realidade bem distante da prometida pelo dirigente: 78% das despesas previstas para a construção das arenas do Mundial são bancadas pelas três esferas governamentais.
Mas o cenário é pior. Mesmo nos 22% restantes, que teoricamente seriam recursos da iniciativa privada, há uma considerável parcela de contribuição indireta do poder público por meio de incentivos variados, como o potencial construtivo em Curitiba, que renderá R$ 90 milhões para a Arena. Essa divisão de despesas é a apresentada pela Matriz de Responsabilidade, documento com dados defasados que divide as obrigações nas obras das subsedes. Hospedada no site da Controladoria-Geral da União (CGU), é a única fonte de informação oficial sobre os gastos no país.
É baseado nesses dois pontos que o fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, explicita, em tom irônico: "Achávamos que seríamos convidados especiais para a festa. No fim, teremos de pagar bem caro pela entrada". Para o economista, o governo assumiu a meta de realizar o torneio a qualquer custo e impôs para a sociedade o ônus financeiro.
Ciente disso, a principal preocupação de Castello Branco é com a fiscalização do uso do dinheiro público, que ele rotula de precária. "O próprio portal da CGU descumpre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que prevê a atualização mensal dos valores. Os dados não são confiáveis", afirma. "Há projetos subestimados, como o do Mané Garrincha. O custo do estádio não inclui gramado, cadeiras, cobertura, placar eletrônico... É ridículo. Deveria haver rigor para que as informações fossem prestadas corretamente. O governo não pode fingir transparência", reclama o economista. Mesmo esvaziada, a arena do Distrito Federal está prevista na Matriz por R$ 745 milhões.
O temor tem fundamento. A despesa pública direta com as praças esportivas chega a R$ 6,3 bilhões o suficiente para erguer 157 hospitais ou 6 mil creches e já virou praxe ouvir falar de irregularidades nos contratos com as construtoras. Nem todos esses furos surgem da intenção de desviar recursos, mas itens escritos de maneira dúbia abrem essa margem. É missão dos Tribunais de Contas dos estados achar essas armadilhas legais.
Esse processo de caça aos erros encontra na superficialidade das propostas apresentadas pelas construtoras, ou seja, no trabalho mal feito, o principal desafio. "Sem um projeto básico detalhado, fica difícil fiscalizar. Vamos cobrar o quê? Partiu do Paraná essa luta por projetos minuciosos. Atrasa um pouco o início da construção, mas garante um processo mais transparente", diz o conselheiro do TCE-PR, Heinz Georg Herwig, presidente da comissão que fiscaliza as obras da Copa no estado.
O engenheiro considera inadmissível que as propostas sofram tantas alterações estruturais e, consequentemente, de preço. "Alguns ajustes são necessários, só não dá para alterar 50%. Aí é um simples estudo e não um projeto", finaliza, mostrando o tamanho do problema. Segundo números levantados pelos tribunais de conta estaduais, 98,6% dos recursos para melhorias visando à Copa são públicos. "A conta cai no colo da sociedade", dispara Castello Branco.
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