Toda vez que o alarme sonoro toca, Nahuel Zarate, 27, sabe que é hora de abrir os olhos e se mover um pouco para a esquerda. O despertador que acorda o argentino é o aviso de que o portão da garagem do edifício na esquina da avenida Atlântica com a rua Hilário Gouvêia vai abrir.
É sob a marquise do prédio que o estudante de administração e mais quatro amigos de Baía Branca, província de Buenos Aires, dormem nos últimos dois dias, desde que chegaram ao Rio para acompanhar a seleção argentina na final da Copa. Eles se revezam para esticar o corpo por algumas horas no carro. Quem não consegue um lugarzinho no veículo encara o chão molhado de chuva.
Na manhã deste sábado (12}, após passar a noite nos bares da Lapa, ele conta que estava um "pouco mais difícil" dormir no chão. "Mas todo esse esforço vale a pena. É a final de uma Copa!", diz. "Os torcedores argentinos não ligam para conforto, para nada. Queremos apoiar nosso país e fazemos tudo por amor, por paixão ao futebol."
No edifício ao lado de onde estava Zarate, outros três argentinos dormiam na calçada, mas na porta de entrada do local. O porteiro Francisco Silva, 42, teve que intervir.
"Eu pedi para eles não ficarem na porta porque os moradores precisam entrar e sair. Eles entenderam numa boa." O funcionário que trabalha há sete anos no prédio conta que só na Jornada Mundial da Juventude, no ano passado, viu gente "acampada" na avenida Atlântica. "Mas era para ver o papa, agora é por causa do futebol. Os argentinos são muito animados!", conta.
Os carros argentinos tomaram conta de quase todas as vagas disponíveis na orla de Copacabana. A maioria dos hermanos diz que nem tentou ir aos acampamentos disponibilizados pela Prefeitura do Rio, porque já não havia mais vagas em alguns e porque era longe da praia.
"Aqui a gente tem essa praia maravilhosa na frente, a Fifa Fan Fest ao lado e os banheiros com chuveiro no calçadão. Tá tudo ótimo", diz o professor de educação física Gabriel Pogliese, 45, que viajou de Recreo, na província de Santa Fé, junto com o pai de 84 anos, a mulher e as duas filhas pequenas.
Sua caminhonete era uma das mais fotografadas na avenida Atlântica, por causa da "cozinha" montada na parte traseira do veículo. Salames pendurados, macarrão e biscoitos, além de vinho e cerveja compunham a cesta básica da família.
"Não dava para perder a chance de estar em uma Copa do Mundo ao lado do meu país. Todo esforço é recompensado, a gente nem liga mais de dormir sentado no carro."
Seu vizinho de estacionamento, o comerciante Edgardo Perez, 50, também de Santa Fé, provocava os brasileiros. Com as quatro portas de seu carro aberto e o som no volume máximo, ele escutava repetidamente um CD com três versões diferentes da canção "Brasil decime qué se siente" (aquela famosa que diz que Maradona é melhor que Pelé). "Está tudo na paz, os brasileiros são muito amáveis, mas a gente gosta de uma provocaçãozinha", ri.
A música divertia seus colegas de acampamento improvisado, Gonzalo San Martín, 26, e Juan Ignacio Ortega, 27, que percorreram quase 3.000 km do Chaco ao Rio, que preparavam o almoço ao ar livre, fritando pedaços de carne e cozinhando macarrão em cima de um banco na calçada.Moradora de Copacabana, a aposentada Jane Fernandes, 60, não resistiu à cena inusitada e pediu para tirar uma foto com os argentinos. "É uma alegria ver essa festa, ver os sacrifícios que eles fazem. Amanhã estou com a Argentina!"
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