Trator derruba o que restou de uma casa após as fortes chuvas que destruíram a região em 2011: pouco mudou de lá para cá| Foto: Albari Rosa, enviado especial/ Gazeta do Povo

Ambiente

Reformada pela CBF por R$ 15 mi, Granja Comary é cercada por luxo

Centro de treinamento do Brasil no Mundial, a Granja Comary ocupa endereço nobre em Teresópolis. Localizada próxima da entrada da cidade, é cercada por casas de luxo em estilo colonial e restaurantes que servem fondue para os turistas de inverno.

Dentro do bunker da seleção, luxo total. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) gastou R$ 15 milhões na reforma do espaço de 150 mil metros quadrados, que agora possui quartos individuais para os atletas e uma nova e ampla churrasqueira, pedido especial do técnico Luiz Felipe Scolari.

Os torcedores não têm qualquer contato com as estrelas da bola. A segurança foi reforçada com 58 policiais militares para atuar nas redondezas. Mesmo assim, todo dia crianças tentam avistar os atletas de longe.

Até então, a única reclamação dos vizinhos da Granja Comary foi sobre o asfaltamento de algumas ruas. "Eles cobriram os paralelepípedos, ficou mais feio e aumentou a velocidade dos carros", comenta Inês Rodrigues, dona de casa, moradora do local há 20 anos.

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Mesmo aguardando a reconstrução de boa parte da cidade, Teresópolis se enfeitou como pôde para saudar a seleção
A aposentada Carmina Siqueira (de rosa), de 78 anos, diz que só sobreviveu às fortes chuvas porque
Flávio da Silva (com a camisa da seleção) aproveitou a proximidade da equipe de Scolari para reclamar do descaso com a população
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Nada mudou três anos após a maior tragédia climática da história do Brasil, quando 911 pessoas morreram na região serrana do Rio de Janeiro, 382 em Teresópolis, cidade que abriga a seleção brasileira para a Copa. Nenhuma casa foi entregue a quem perdeu tudo por causa das fortes chuvas. Cerca de 60 mil pessoas permanecem em áreas de risco.

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SLIDESHOW: Confira o cenário desolador que ainda impera na região

VÍDEO: Sobrevivente Carmina Siqueira, 78, fala sobre chuvas de 2011 na cidade

Uma delas é Carmina Si­­queira, 78 anos. Em janeiro de 2011, cinco parentes da aposentada foram vítimas da enxurrada que desabou dos morros. "Abriguei mais de 20 pessoas. Balançou demais, mas Deus segurou", relembra, na varanda da moradia equilibrada no alto de uma encosta.

Campo Grande, o bairro onde Carmina segue com o filho Manoel, praticamente sumiu soterrado pela lama. Restaram alguns vizinhos que também não aceitaram o aluguel social oferecido pela prefeitura. Quase todos, entretanto, habitam residências condenadas e têm data limite para recolher o pouco que sobrou e ir embora.

Ontem, tratores e caminhões removiam restos da catástrofe na região. Não há quase ninguém pelas ruas de um cenário pós-guerra. Pichado na parede de uma construção invadida por terra até 1 metro de altura, a frase: "Não votem neles, assinado: condenados".

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"Acho que perdi uns 200 conhecidos. Ficou deserto. Os políticos não aparecem mais aqui, temos a companhia dos cachorros só", conta o eletricista Marcos Vidal, 41 anos.

A prefeitura de Teresópolis promete disponibilizar 950 domicílios até o fim do ano. A intenção é fechar 2015 com 1.600. De acordo com os números oficiais, foram 9.110 desalojados e 6.727 desabrigados. Há 130 desaparecidos.

Em 2011, o governo federal destinou R$ 30 milhões para a recuperação da região – R$ 7 milhões para Teresópolis. Logo em seguida, pipocaram denúncias sobre possíveis irregularidades na aplicação dos recursos. Hoje, a maioria dos atingidos recebeu indenização. Entretanto, há insatisfação quanto aos acertos e à falta de reajuste do aluguel social (de R$ 400 a R$ 500 por mês).

"As indenizações não correspondem ao que as pessoas perderam. Outras coisas não fazem sentido. Querem obrigar produtores rurais a irem para apartamentos", critica Flávio Antônio da Silva, 35 anos. Trajado com o uniforme da seleção, com parte do corpo enlameada, o motorista armou um protesto solitário na entrada da Granja Comary, ontem à tarde. Distribuiu aos jornalistas um documento de quatro páginas com reclamações. "Sou metade vítima, metade torcedor. Gosto de futebol, quero que o Brasil seja campeão. Teresópolis é o lar da seleção e do descaso", afirma.

Estada do time de Felipão divide a cidade

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A escolha da Granja Comary como base da seleção na Copa divide Teresópolis. A cidade espera receber cerca de 100 mil pessoas, entre turistas e profissionais de imprensa – a população local é de pouco mais de 150 mil habitantes. "Estamos animados. A estada do Brasil pode ajudar na redenção do município após o que aconteceu em 2011", crê Ronaldo Fialho, secretário municipal de Turismo.

A lembrança da tragédia serve também de argumento para detonar a estada. "Temos gente que ainda não tem onde morar. Gastar com a Copa é jogar dinheiro no lixo", diz o garçom Anderson Almeida.

Apesar da expectativa otimista, nem mesmo o secretário garante que Teresópolis se preparou adequadamente. "Fizemos o melhor possível. Mas estamos no Brasil, não na Alemanha", aponta Fialho.

O político destaca a reforma da Praça Luís de Camões e a instalação de internet por Wi-Fi em diversos pontos da cidade. Além disso, há decoração alusiva ao Mundial por toda a parte – imagens exaltando a condição de "casa da seleção brasileira".

Enquanto isso, o prefeito Arlei Rosa (PMDB) pode perder o cargo, acusado de abuso de poder econômico e de meios de comunicação. Rosa é o terceiro a ocupar o posto desde a catástrofe de 2011. O prefeito na época, Mário Jorge, foi cassado por mau uso de verba pública. O vice, Ro­­ber­­to Pinto, assumiu e morreu dois dias depois.

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Destruição em Teresópolis

Esportes | 1:19

Senhora espera até hoje, em área de risco, nova casa prometida pela prefeitura de Teresópolis aos atingidos pela tragédia de três anos atrás.